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27/06/2014
As artesãs da minha vida

Fui criada entre mulheres artesãs. E no sentido mais amplo da palavra já que, a família Sant’Anna era embalada por  estas profissionais e suas habilidosas mãos. Minha Madrinha,  Tia Iracema, Tia Tatinha, Tia Olga, Tia Cici... Todas... Todas eram exímias artistas. Costuravam, bordavam, tricotavam , crochetavam e muito mais.
Frequentemente,  este grupo de mulheres, se acomodava na sala de nossa  casa , num circulo amigo e animado, para conversar sobre os mais variados assuntos. Sempre  perfeitas, se dedicavam  a  diversos trabalhos manuais. Num primeiro momento, talvez  movidas  pela necessidade em aumentar a renda e ajudar seus maridos. Num outro tempo, no entanto, treinavam estas aptidões  por simples prazer e por se  sentirem, de certa forma, mais unidas naquele  doce momento de descontração. Trocavam técnicas e, enquanto falavam,  não perdiam tempo. Entre  linhas, fios e agulhas teciam, também, um pouco da historia familiar.
Eu na época, criança e dispersa, talvez não tenha me dado conta do valor deste encontro puramente feminino. Preocupava-me em brincar com as primas. Só hoje, no entanto,   é que consigo valorizar e refletir sobre a importância, destas mulheres em minha vida.
Entendi  que, elas não treinavam apenas suas  qualificações  de mulheres do lar. O que, aliás,  faziam com muito esmero. Elas na verdade praticavam um grande exercício para melhor se  viver. Ao reunirem-se naquele pequeno espaço, explanavam sobre os problemas, os dramas, as dificuldades, as alegrias e todos os acontecimentos que marcavam a trajetória do  Clã Sant’Anna. Muitas vezes ouvi os lamentos, as dores e os pesares. Presenciei  lágrimas. Muitas lágrimas. Mas, também   ouvi risos,  muitas  gargalhadas e muita alegria . As  fortes emoções  sem sombras de dúvidas,  foram constantes  neste poético convívio feminino.
Pelos dedos de cada uma delas eu vi, linhas, fitas, dedais, rendas   e agulhas. No colo vi colchas, toalhas, vestidos, tapetes e casacos. Mas, na  alma destas lindas  mulheres... Vi   a docilidade, o amor,  o companheirismo e acima de tudo a grande  união. Confeccionavam peças, adornos e paralelamente bordavam lindos sonhos  em meu coração. Remendavam roupas velhas e conseguiam  alinhavar  muitos  dos ferimentos  de minha alma. Pintavam  tantas cores e  fantasias em meus pensamentos que,  eles restauravam  o brilho em meus olhos curiosos. Enlaçaram-me, deram-me afeto e despretensiosamente  me deixaram  fazer  parte daquele núcleo tão forte e  poderoso .
Como era  esperado, também me presentearam  para que eu inúmeras vezes desfilasse com suas obras de arte...Vestidos, blusas, xales  e bolsas... Caprichosamente  feitos por elas.
Infelizmente, mesmo assistindo a aulas tão preciosas  não lhes  herdei  o mesmo talento. Herdei na verdade,  algo invisível aos olhos, algo que só eu consigo reconhecer e enxergar. Dos  momentos abençoados  e compartilhados ao lado delas , aprendi a ser forte   e decidida. Como elas foram um dia, em tempos de tantas dificuldades.  A coragem destas mulheres,  fortaleceu em mim o senso de auto- subsistência  e, até  hoje,  é a base que me sustenta, diante das adversidades. Sem premeditar,  elas conseguiram... E  tramaram com suas linhas, lãs e agulhas  a história de carinho familiar que sempre esteve presente em minha vida. Graças a elas pude  usufruir de momentos de intensa felicidade e carinho.
Hoje sinto a ausência  das que partiram  desta vida . Deixaram um vazio em meu coração.
Todas, porém permanecem, presentes  latentes e sempre vivas na minha  memória  como mulheres únicas e inesquecíveis. E foram, com certeza, as melhores e mais belas  Artesãs da minha vida! Amo-as demais!

Fatima Chiati