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Consenso Brasileiro de Conceitos e Condutas para o Diabetes Mellitus

Diabetes Gestacional

Conceito
É a intolerância aos carboidratos, de graus variados de intensidade (diabetes e tolerância diminuída à glicose), diagnosticada pela primeira vez durante a gestação, podendo ou não persistir após o parto.

Fatores de risco

  • Histórico familiar de diabetes.
  • Histórico de morte fetal ou neonatal.
  • Histórico de gravidez com recém-nascidos grandes para a idade gestacional (Gig) ou com mais de 4 kg.
  • Histórico de diabetes gestacional.
  • Presença de hipertensão ou pré-eclâmpsia.
  • Obesidade ou ganho excessivo de peso na gravidez atual.
  • Idade superior a 30 anos.
  • Macrossomia ou polidrâmnio na gravidez atual.

Rastreamento
Inicialmente é aplicado um exame de glicemia de jejum a partir da 20ª semana. O ponto de corte pode ser estabelecido em 85 mg/dl (EBDG). Valores superiores são considerados positivos, indicando a necessidade de um teste diagnóstico.

O teste de rastreamento do diabetes gestacional poderá ser aplicado a todas as gestantes (rastreamento universal) ou apenas àquelas com fatores de risco (rastreamento seletivo), na dependência das prioridades locais de cada serviço de saúde.

Diagnóstico
O diagnóstico do diabetes gestacional é por definição transitório, devendo ser reavaliado no período de pós-parto. O teste diagnóstico de aceitação crescente é o preconizado pela OMS desde 1980, o GTT oral com 75 g, com medidas em jejum e em 2 horas. Este teste, para diminuir sua variabilidade, precisa ser aplicado de forma padronizada, como descrito no capítulo "Diagnóstico".

O critério diagnóstico para a glicemia de 2 horas é de 140 mg/dl (tolerância diminuída à glicose). Glicemia de 2 horas superior a 200 mg/dl é diagnóstico de diabetes.

Duas glicemias de jejum iguais ou superiores a 105 mg/dl também confirmam o diagnóstico de diabetes gestacional, sem contudo categorizá-lo em diabetes propriamente dito ou tolerância diminuída à glicose.

Tratamento na gestação
A Organização Mundial de Saúde recomenda tratar os pacientes com tolerância diminuída à glicose como casos de diabetes. No entanto, as evidências de que tal conduta cause benefício do que risco (especialmente quanto à macrossomia e microssomia) ainda não estão estabelecidas.

O tratamento inicial consiste de uma dieta para diabetes, como na não gestante, mas com um acréscimo de 300 kcal/dia. O valor calórico total é individualizado de acordo com o estado nutricional. O controle glicêmico deve ser feito ao menos com uma glicemia de jejum e duas pós-prandiais semanais. Se persistirem repetidamente valores superiores a 105 (J), 140 (1 hora), 120 (2 horas) mg/dl, revisar o valor calórico da dieta, sem contudo ultrapassar os limites inferiores de 1500-1800 kcal/dia ou então instituir insulinoterapia. Esse tratamento deve ser coordenado por equipe treinada para essa finalidade.

Manejo no parto e no pós-parto
Em gestantes usando insulina e cujo parto foi programado, preconiza-se a redução da dose diária para 1/3 do total, com intensificação da monitoração glicêmica.

Quando o parto não foi programado e a grávida recebeu dose habitual de insulina, deve-se administrar solução glicosada a 5 % com controle glicêmico mais intenso.

No dia seguinte ao parto, a grande maioria das mulheres não necessitará mais de insulina.

Dentro de 30-60 dias após o parto é necessário repetir o GTT oral 75 g para proceder a classificação do estado de tolerância à glicose fora da gravidez. Aquelas com tolerância diminuída à glicose são orientadas a manter o peso e a exercer atividade física regular para prevenção de diabetes e doença cardiovascular. O aleitamento materno deve ser estimulado. A contracepção pode ser orientada na primeira consulta pós-parto, de acordo com protocolos locais.


Diabetes Pré-Gestacional

Conceito
É o diabetes diagnosticado previamente à gravidez, em pacientes com diabetes Tipo 1 e Tipo 2.

Controle pré-concepcional
A mulher diabética só deverá ser liberada para a gravidez quando estiver bem compensada do diabetes (hemoglobina glicosilada normal), permitindo assim, a diminuição da incidência de malformações fetais.

Tratamento
O tratamento é feito como a gestante com diabetes gestacional, mas os esquemas de insulina são em geral mais intensificados.

Pós-parto
A conduta do dia do parto nas pacientes diabéticas pré-gestacionais é semelhante à adotada para as diabéticas gestacionais.

No pós-parto, a dose administrada no dia seguinte ao parto deverá ser um terço da dose usual pré-gravídica e readaptada de acordo com os controles glicêmicos diários.

Planejamento do parto em gestantes diabéticas
Tanto nos casos de diabetes pré-gestacional quanto nos de diabetes gestacional, na presença de bom controle metabólico materno e feto com vitalidade preservada, o parto poderá ocorrer no termo da gravidez, isto é, após a 37ª semana.

Na presença de complicações decorrentes do diabetes ou na impossibilidade de se obter um bom controle materno, a gestação poderá ser interrompida, garantida a maturidade fetal (exame do líquido amniótico).

A interrupção da gravidez deverá ser avaliada individualmente, com os especialistas envolvidos.

Notas importantes

  1. Os hipoglicemiantes e anti-hiperglicemiantes não deverão ser utilizados na gravidez.
  2. Na introdução de insulina na gravidez, optar por insulina humana.
  3. Atividades físicas poderão ser mantidas durante a gravidez, porém com intensidade moderada.
  4. No diabetes pré-gestacional é necessária a vigilância sobre as complicações crônicas do diabetes, principalmente as retinianas e renais, com a participação de especialistas específicos quando detectados.
  5. É aconselhável o rastreamento de infecção urinária e tratamento da bacteriúria assintomática.
  6. Adoçantes não calóricos artificiais poderão ser utilizados com moderação.

Cetoacidose

Definição
A cetoacidose diabética é uma descompensação metabólica grave se caracteriza por:

  • Hiperglicemia (em geral maior do que 300 mg/dl)
  • Cetoacidose (pH arterial < 7,2, concentração plasmática de corpos cetônicos maior que 300 mg/dl)
  • Desidratação grave, em geral com perda maior do que 10 % do peso corporal e desequilíbrio eletrolítico
  • Predomínio em pacientes com diabetes Tipo 1 (mais de 90 % dos casos)

Obs.: Excluir sempre outras causas de acidose, como: acidose lática, urêmica, alcoólica etc.

Patogênese

  • Fatores primários: hipoinsulinemia e elevação dos hormônios contra-regulatórios (glucagon, cortisol, GH e catecolaminas) que levariam à hiperglicemia por déficit de utilização periférica e aumento de produção hepática (glicogenólise e neoglicogênese). A cetonemia seria conseqüente a aumento de lipólise, com liberação de ácidos graxos livres que, em última análise, desencadeariam a produção dos ácidos acetoacético e ß-hidroxibutírico.
  • Fatores secundários: jejum (aumenta a cetonemia) e hipovolemia (acentua a hiperglicemia e cetonemia).

Quadro clínico
a) Causas precipitantes

  • infecções graves
  • condições causando estresse (IAM, AVC, intervenções cirúrgicas etc.)

b) Da hiperglicemia

  • poliúria
  • polidpsia
  • mucosas secas
  • hipotensão, taquicardia
  • perda rápida de peso

c) Da cetonemia

  • indolência
  • inapetência
  • náuseas
  • vômitos
  • alterações do estado e consciência
  • hálito cetônico
  • respiração de Kusmaul (cetótica)

d) Outras

  • pseudo abdômen agudo
  • hipertermia ou hipotermia (ambas sugerem processo infeccioso)
  • oligúria, anúria

Tratamento

  1. Abordagem inicial: após avaliação da glicemia capilar, o paciente deve passar por estrita avaliação clínica (anamnese quando possível e exame físico dirigido) e laboratorial (glicemia plasmática, função renal, hemograma, eletrólitos, exame de urina, gasometria arterial etc.). Simultaneamente, providenciar acesso a veia de grande calibre (quando necessário, veia central).
  2. Medidas gerais:
    1. hidratação: solução hidratante
      soro fisiológico 0,9 %
      1ª hora: 1,0 a 1,5 l (10 a 25 ml/kg)
      2ª a 4ª hora: 0,5 a 1,0 l/hora
      5ª a 8ª hora: 250 a 500 ml/hora
      Obtida glicemia entre 200 a 250 mg/dl, passar a fazer solução glicossalina a 5%-1000 ml a cada 8 horas.
      Obs.: o esquema de hidratação poderá ser modificado de acordo com a avaliação clínica.
    2. Insulinoterapia (regular)
      Objetivo: diminuir a glicemia entre 75 a 100 mg a cada hora.
      Monitoração: a glicemia capilar, inicialmente a cada hora, serve como parâmetro da resposta terapêutica e para eventuais ajustes nas doses de insulina.
      Formas de aplicação e dose: dá-se preferência ao sistema de bomba de infusão contínua ou sob a forma de microgotas IV, preferencialmente em UTI. Em hospitais de menor recurso, o sistema de aplicação IM a cada hora é o de escolha, com resultados semelhantes.
      1ª hora - 0,2 u/kg/peso/hora
      2ª hora e até glicemia 200 - 250 mg/dl - 0,1 u/kg/peso/hora
      Após glicemia 200 - 250 g/dl - 0,05 u/ kg/ peso/hora
      Obs.: A dose pode ser dobrada ou mesmo ser triplicada se não houver resposta adequada em termos de queda de glicemia. Não se recomenda o uso de microdoses ou insulina endovenosa "bôlus".
    3. Potássio
      Todo paciente em cetoacidose encontra-se em hipocalemia corporal, embora possamos encontrar níveis de potássio séricos normais ou até elevados.
      A administração do cloreto de potássio deve ser feita após o 2º litro de salina ou início de diurese.
      Esquema terapêutico: 15 - 20 mEq de cloreto de potássio por 500 ml nas primeiras 24 horas. Em caso de hipocalemia plasmática inicial esta dose pode ser aumentada até 60 mEq/hora, sendo necessário neste caso, o uso de bomba de infusão e monitoração eletrocardiográfica.
    4. Correção da acidose
      A acidose em geral se corrige unicamente com as medidas terapêuticas anteriores. O uso de bicarbonato pode trazer efeitos colaterais (acidose paradoxal intracelular e liquórica, aumento de afinidade da hemoglobina pelo oxigênio, piora da hiperosmolaridade e hipopotassemia).
      O seu uso deve ser reservado a casos de pH < 7,0 ou quando houver hipotensão ou choque (1mEq/kg em 30 a 60 minutos - repetir gasometria 30 minutos após)
    5. Outras
      Antibioticoterapia: deve ser usada quando houver evidências diretas ou indiretas de infecção. Preferencialmente de largo espectro.
      Sonda vesical: se não houver diurese nas primeiras 4 horas.
      Sonda nasogástrica: em pacientes inconscientes, por risco de bronco-aspiração.
      Oxigênio: se pO2 arterial < 80 mmHg.
      Heparina: em baixas doses, em idosos, imobilizados, com risco de tromboembolismo.
      Bloqueadores H2: para prevenção de úlceras de estresse.
      Convalescença: com a melhora do quadro clínico-laboratorial e restauração da capacidade de ingestão oral, suspende-se a hidratação parenteral, inicia-se a alimentação oral e restabelece-se a insulinoterapia convencional.
    6. Prevenção
      A grande maioria das cetoacidoses podem e devem ser evitadas com a simples educação do paciente diabético em relação aos conceitos básicos da sua doença com ênfase no aspecto alimentar (evitar excessos e/ou omissões) e insulinoterapia. O paciente não deve omitir a sua insulina em função de uma menor ingestão causada por náuseas. O reajuste das doses de insulina regular deve ser orientado pelo médico que o assiste, ou pelo próprio paciente orientado para tal e pelas glicemias capilares.

Neuropatia

Conceito
Neuropatia diabética é o termo utilizado para descrever um distúrbio neurológico demonstrável clinicamente ou por métodos diagnósticos que ocorre em pacientes com diabetes mellitus sem outras causas de neuropatia (San Antonio Conference on Diabetic Neuropathy, 1988).

A neuropatia diabética é a complicação mais freqüente e precoce do diabetes, podendo atingir a grande maioria (80 a 100 %) dos pacientes a longo prazo. Sua prevalência varia devido à utilização de critérios diagnósticos múltiplos, com sensibilidade variada, bem como a falta de padronização completa dos mesmos.

Os métodos eletrofisiológicos são os mais sensíveis para o diagnóstico da neuropatia, a qual nos pacientes não-insulinodependentes muitas vezes está presente desde o momento do diagnóstico. Nos pacientes com diabetes insulinodependentes, geralmente aparece a partir de cinco anos após o diagnóstico.

O controle glicêmico intensivo e rigoroso retarda o risco de aparecimento e intensidade das lesões conforme inequivocadamente demonstrado pelo estudo Diabetes Complication Control Tial (DCCT, USA, 1993), entre os pacientes diabéticos do Tipo 1. Para os pacientes diabéticos do Tipo 2, os dados preliminares do estudo europeu United Kingdom Prevention of Diabetic Complications (UKPDS) são aguardados, mas pela semelhança do acometimento deve-se já, assim, ser encarado.

Quadro clínico
Conforme o próprio conceito, pode variar desde formas assintomáticas até a presença de muitas manifestações pouco específicas, somáticas e/ou autonômicas. Os sintomas somáticos que melhor se associam são: alterações da sensibilidade distal e comprometimento motor dos membros, preferencialmente inferiores. Os sintomas autonômicos associados são: tonturas ao levantar, queixas esôfago-gastrintestinais (disfagia, vômitos, diarréia alternada com períodos de obstipação, incontinência fecal), sudorese às refeições, impotência sexual, retenção e infecções urinárias de repetição.

Classificação da neuropatia
Quadros neurológicos mais freqüentes:
- polineuropatia sensitiva motora distal simétrica: afeta pés, pernas mãos.
- neuropatia autonômica.

Quadros neurológicos menos freqüentes:
- mononeuropatia focal (tibiais, pares cranianos III, IV, VI e VII)
- mononeuropatia multifocal radicular (geralmente intercostal ou toracoabdominal)
- mononeuropatia multifocal multiplexos (localização variada)
- plexopatia ou amiotrofia (geralmente acomete uma ou as duas coxas).

Diagnóstico dos quadros mais freqüentes

1. Caracterização dos sintomas
Deve-se indagar sobre:

  • manifestações de comprometimento somático: dormência e formigamento de membros inferiores, sensação de queimação, pontadas, choques, agulhadas, punhaladas nas pernas e pés; desconforto ao toque dos lençóis e cobertores. Importante lembrar que a inexistência de sintomas não afasta a presença da neuropatia, uma vez que muitos pacientes evoluem para a ausência de sensibilidade.
  • manifestação de comprometimento autonômico: tonturas, fraqueza, distúrbios visuais ao levantar; vômitos freqüentes; diarréia freqüente, perda do controle do esfíncter anal; dificuldade à deglutição, infecções urinárias de repetição, retenção urinária, sudorese facial às refeições.

2. Testes neurológicos básicos

  • Avaliação da sensibilidade dolorosa (palito), tátil (algodão, monofilamento de Semmes-Weistein 5.07, o qual determina 10g de pressão), vibratória (diapasão 128 Hz/bioestesiômetro) - servem para identificar pacientes com risco de ulceração nos pés (anestesia ao monofilamento; bioestesiômetro > 30v).
  • Pesquisa dos reflexos tendinosos Aquileu e patelar.
  • Pesquisa de hipotensão ortostástica (queda de pressão arterial sistólica > 20 mmHg, 1 minuto após assumir a posição ortostática) e freqüência cardíaca de repouso > 100 bpm.

3. Testes neurológicos confirmatórios

    Neurocondução dos membros inferiores para as formas somáticas ou testes sensoriais quantitativos.
  • Variabilidade da freqüência cardíaca e avaliações de desnervação por imagem (meta iodo-benzilguanidina e PET scan com 11-C hidroxiefedrina) para a avaliação autonômica.

Tratamento da neuropatia

  1. Controle metabólico (ver capítulo específico, pág. 26)
  2. Pacientes com risco de úlcera neuropática (ver prevenção das úlceras nos pés - capítulo "Pé Diabético", pág. 44)
  3. Manejo da dor na neuropatia somática:
    1. antidepressivos tricíclicos: imipramina (25-150 mg), amitriptilina (25-150 mg), nortriptilina (10-150 mg) por via oral/dia.
    2. carbamazepina (200-800 mg, por via oral/dia)
    3. flufenazina (1-6 mg, por via oral/dia)
    4. mexiletina (300-400 mg, por via oral/dia)
    5. clonidina (0,100-0,300 mg/dia)
    6. acupuntura
    7. capsaicina (0,075 %) creme - uso tópico
  4. Manejo dos sintomas e complicações autonômicas:
    Hipotensão ortostática; evitar mudanças posturais bruscas, evitar meias ou calças compressivas, flúor-hidrocortisona 0,05 a 0,1 mg/dia, por via oral.
    Disfunção gastrintestinal:
    • gastroesofágica, cisaprida, metoclopramida, domperidona
    • diarréia; antibiótico de amplo espectro, loperamida, aumentar a fibra alimentar
    • bexiga neurogênica: treinamento vesical (esvaziamento completo incluindo manobras de compressão abdominal e auto-sondagem); antibioticoterapia nas infecções urinárias, cloridrato de betanecol quando resíduo vesical pós-miccional for superior a 100 ml.
    • impotência sexual: medicamentos de uso intracavernoso ou intra-uretral (prostaglandinas); dispositivos a vácuo; prótese peniana.

Pé diabético

Conceito
Denomina-se "pé diabético" às lesões dos pés de pacientes diabéticos que ocorrem em conseqüência de neuropatia (90 % dos casos), doença vascular periférica e deformidades. Estas lesões, que geralmente ocorrem mediante trauma, são complicadas por infecção e podem terminar em amputação quando não for instituído tratamento precoce e adequado.

Exame físico
Avaliar a presença de neuropatia, doença vascular periférica, pontos anormais de pressão e/ou deformidades.

Pé neuropático:

  • as úlceras geralmente são plantares, associadas a calosidades;
  • a temperatura dos pés está mantida ou até mesmo elevada;
  • a pele é seca, muitas vezes com rachaduras;
  • os pulsos são palpáveis;
  • a dor, em geral, está ausente;
  • há perda de sensação dolorosa protetora plantar; testado com filamento de 10 g;
  • deformidades: proeminência de metatarsos, dedos em garra/martelo, hipotrofia de interósseos, alterações do arco plantar e artropatia de Charcot;
  • vasodilatação no dorso do pé;
  • pé de aspecto rosáceo.

Pé isquêmico:

  • as úlceras são geralmente laterais e/ou dorsais;
  • o pé é frio e arroxeado;
  • palidez à elevação, rubor postural;
  • os pulsos pedioso e tibial posterior estão geralmente diminuídos ou ausentes;
  • há histórico de claudicação intermitente;
  • ausência de pelos;
  • unhas que crescem pouco.

Pé neuroisquêmico:

  • associação dos dois tipos acima citados.

Diagnóstico

Exame clínico:
Aspecto de úlcera, presença de secreções ou abcessos, medida comparativa da temperatura e presença de pé de Charcot.

Raios X do pé: presença de osteomielite ? (repetir em 15 dias, se normal).

Bacteriológico: cultura pós-curetagem/punção da base da úlcera ou do fragmento.

Doppler arterial: índice tornozelo/braço normal > ou igual a 0,9. Se < ou igual a 0,6 encaminhar para cirurgia vascular periférica.

Arteriografia: diante de isquemia importante e/ou úlcera que não apresenta sinais de cicatrização (após 3-4 semanas). Importante: a arteriografia deve ser realizada com fins de reconstituição vascular.

Classificação da úlcera
Grau 0 = pé em risco
Grau 1 = úlcera superficial
Grau 2 = úlcera profunda - atinge tendão, ligamento, articulação, sem osteomielite
Grau 3 = infecção localizada - celulite, abcesso, osteomielite
Grau 4 = gangrena local
Grau 5 = gangrena extensa

Tratamento
Úlceras de Grau 1: ambulatorial
Úlceras de Grau 2 ou mais: hospitalização / equipe especializada

Cuidados:

  1. debridamento cirúrgico e/ou químico (colagenase pura, papaína diluída em água destilada ou pomada 20 %).
  2. Limpeza diária (2-4 vezes) com antissépticos (polvidine - para a remoção de secreção purulenta) e solução salina 0,9 %.
  3. Não utilizar antibióticos locais nem associados a enzimas.
  4. Tratamento medicamentoso diante da isquemia: AAS 100 mg/dia, ticlopidina 250-500 mg/dia, pentoxifilina 800-1.200 mg/dia, blufomedil 600 mg/dia.
  5. Tratamento cirúrgico - reconstrução vascular, correção de deformidades neuropáticas.
  6. Tratamento da fase aguda da artropatia de Charcot: alendronato 15 mg/dia, calcitonina, repouso, uso de bota de gesso (scotch cast).

Prevenção

  • detecção do pé em risco de ulceração;
  • educação sobre uso de calçado adequado;
  • higiene podológica;
  • prevenção de traumas;
  • cuidados das úlceras e prevenção dos fatores desencadeantes - aliviar pontos anormais de pressão (remoção de calosidades, uso de palmilhas individualizadas, calçados adequados);
  • avaliação periódica com equipe multidisciplinar especializada;
  • orientação prévia para a prática de exercícios físicos.

Atenção: orientar o exame dos pés diariamente e avaliação pelo menos anual por equipe multidisciplinar especializada.

Retinopatia

As complicações oftalmológicas são de alta prevalência e gravidade no paciente diabético. O diabetes é a segunda causa de cegueira no mundo. Pode-se detectar lesões a partir do diagnóstico e, por isto, deve-se realizar exame oftalmológico na primeira consulta.

Considerações
Todas as estruturas do olho podem ser afetadas pelo diabetes mellitus.

Existem manifestações que se originam no sistema nervoso central (neurite do trigêmio, lesões compreensivas da via ótica etc.)

O hábito de fumar, a hipertensão arterial e as dislipidemias são condições associadas com freqüência e que trazem o risco de morbidade ocular. A única prevenção primária eficaz é o controle da glicemia. Não se tem informação até o momento de qualquer tratamento farmacológico que dê resultados.

Classificação das oftalmopatias

  1. Retinopatia diabética
    1. Retinopatia não-proliferativa: microaneurismas, hemorragias, exsudatos duros, exsudatos circinados. Prestar especial atenção às lesões próximas à mácula.
    2. Retinopatia pré-proliferativa: evidência de áreas isquêmicas (exsudatos algodonosos).
    3. Retinopatia proliferativa: neoformação vascular em qualquer ponto da retina, aparecimento de tecido fibroso, doença ocular avançada (hemorragia do vítreo, rubeose da íris).
    4. Maculopatia.
  2. Catarata
    Deve-se levar em conta qualquer opacificação do cristalino.
  3. Córnea
    Toda alteração deve ser considerada, especialmente em zonas tropicais, por infecções viróticas (administração de corticóides tópicos).
  4. Glaucoma
    A determinação da pressão deve ser rotina em pacientes diabéticos. Considerar a possibilidade de glaucoma agudo.

Encaminhamento ao oftalmologista
O exame oftalmológico de rotina deve ser feito anualmente e compreenderá três estudos básicos:

  • acuidade visual (sempre com o paciente metabolicamente compensado);
  • fundo de olho;
  • escotomas (sensação de moscas voando, manchas fugazes);
  • infecções oculares.

Prevenção e tratamento
Prevenção primária: a única medida documentada é o bom controle da glicemia.

Prevenção secundária: tratamento da retinopatia não proliferativa. Consiste em evitar a progressão de retinopatia a uma etapa proliferativa, através do bom controle da glicemia, pressão arterial e lípides sangüíneos.

Prevenção terciária: tratamento da retinopatia proliferativa e das complicações. Trata-se de evitar a perda da acuidade visual e cegueira. O tratamento indicado é a fotocoagulação. A vitrectomia é feita quando ocorre uma hemorragia vítrea.

Hipertensão arterial

A hipertensão arterial (HA) afeta 20 % da população geral e 50 % da população diabética. A associação de HA e diabetes aumenta drasticamente o risco de morbidade e mortalidade cardiovascular. O tratamento efetivo de HA reduz a mortalidade cardiovascular em pacientes com hipertensão essencial. Embora não existam estudos na população diabética, assume-se que os mesmos benefícios do tratamento anti-hipertensivo se estendam a esta população.

Medidas terapêuticas

  1. Não farmacológicas: além do controle de outros fatores de risco da doença cardiovascular (obesidade, sedentarismo, tabagismo, consumo excessivo de álcool e dislipidemia), recomenda-se adequar a ingesta de sal a não mais que 6 g/dia. Isto pode ser obtido evitando-se alimentos embutidos e enlatados, e o uso de sal à mesa.
  2. Farmacológicas: todos os medicamentos podem ser utilizados. A associação de medicamentos pode ser útil antes de se atingir dose-máxima de cada um isoladamente, objetivando-se reduzir os efeito colaterais.
    1. Diuréticos
      Vantagens: baixo custo; eficaz como monoterapia
      Desvantagens: pioram o controle glicêmico; induzem hipocalemia; aumentam uricemia; impotência
      O uso de baixas doses de diurético (hidroclorotiazida até 25 mg/dia) diminui o risco destes efeitos colaterais.
    2. Betabloqueadores
      Vantagens: baixo custo; prevenção secundária do infarto; controle da angina associada à HA
      Desvantagens: pioram o controle glicêmico; mascara hipoglicemia; pioram o perfil lipídico; prolongam crise hipoglicêmica; impotência
    3. Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA)
      Vantagens: não interferem ou melhoram o controle glicêmico; não alteram o perfil lipídico; reduzem a progressão da glomerulopatia diabética; úteis na redução da hipertrofia de VE; úteis na tratamento da ICC; redução de mortalidade de pós-infarto
      Desvantagens: alto custo; hipercalemia em pacientes com déficit da função renal; queda abrupta da função renal em pacientes com nefropatia avançada (depuração de creatinina < 30 ml/min); tosse, hipotensão em pacientes depletados de sódio.
      Contra-indicação absoluta: gravidez
    4. Bloqueadores dos canais de cálcio
      Vantagens: não alteram o controle glicêmico; não alteram o perfil lipídico; úteis na reversão da hipertrofia de VE
      Desvantagens: nas preparações de absorção rápida (nifedipina); taquicardia; rubor facial podem ocorrer; edema de tornozelo
    5. Antagonistas dos receptores da angiotensina II
      Vantagens: não alteram o controle glicêmico; não alteram o perfil lipídico; diminuem a mortalidade na ICC
      Desvantagens: alto custo
    6. Agentes simpatolíticos de ação central
      Vantagens: baixo custo; utilização na gravidez; não interferem com o controle glicêmico; não interferem com o controle lipídico
      Desvantagens: pouco eficazes como monoterapia; piora dos sintomas de impotência e hipotensão postural; sedação; crise hipertensiva quando da suspensão repentina da droga (clonidina)
    7. Bloqueadores alfaadrenérgicos
      Vantagens: não alteram o controle glicêmico; melhoram o perfil lipídico; não alteram a função sexual
      Desvantagens: pouco eficazes como monoterapia; agravam sintomas de hipotensão postural; retenção de sódio; taquifilaxia (prazosin)

 Nefropatia

A nefropatia diabética está presente em 15 % a 20 % dos pacientes diabéticos do Tipo 2 e em 30% a 40% dos pacientes com diabetes do Tipo 1 de longa evolução.

Classificação

1. Nefropatia incipiente
Presença de microalbuminúria persistente em duas ou mais amostras colhidas dentro de um período de 6 meses. Define-se microalbuminúria como excreção urinária de albumina > ou igual a 20 mcg/min e < 200 mcg/min em urina isolada ou de 12 horas noturnas ou ainda albuminúria > ou igual a 30 mg/24 h e < 300 mg/24 h.

2. Nefropatia clínica
Presença de macroproteinúria que pode evoluir para síndrome nefrótica. Define-se como macroproteinúria a excreção urinária de proteínas > ou igual a 500 mg/24 h ou a excreção urinária de albumina > 200 mg/24 h (macroalbuminúria). Nesta fase, pode-se detectar HA e ocorre diminuição progressiva da filtração glomerular que evolui para insuficiência renal crônica.

3. Insuficiência renal crônica
Ocorre a diminuição da depuração de creatinina abaixo de valores normais. A fase avançada caracteriza-se pela filtração glomerular < 30 ml/min.

Avaliação
Como procedimento inicial, determina-se a proteinúria em amostra isolada, de preferência na primeira amostra de urina da manhã, através do uso de tiras reagentes. Deve-se ter o cuidado de afastar também, através de tiras reagentes, leucocitúria, hematúria e cetonúria.

Caso o resultado seja positivo para proteinúria, procede-se à coleta de urina pelo período de 24 horas para a determinação quantitativa da mesma. Caso negativa, procede-se à coleta de urina pelo período de 12 horas (noturnas) ou 24 horas para a quantificação da microalbuminúria. Devido a grande variabilidade individual na excreção urinária de albumina, recomenda-se que sejam feitas três determinações para se estabelecer o diagnóstico. Se os resultados forem superiores aos valores normais em pelo menos 2 determinações, estabelece-se o diagnóstico de microalbuminúria persistente que caracteriza a nefropatia diabética incipiente. Deve-se ter em mente que existem resultados falso-positivos por infecção urinária, período menstrual e relações sexuais no dia anterior. Se os resultados forem normais, reavaliam-se após 1 ano.

Prevenção e terapêutica
Deve-se considerar que até 10 % das nefropatias nestes pacientes podem ser de origem não diabética. Deve-se suspeitar disso, especialmente quando não houver evidência de retinopatia associada.

1. Prevenção primária
Consiste na adoção de medidas para evitar o aparecimento da nefropatia. Essas medidas incluem adequado controle da glicemia, dos níveis séricos de lípides e da pressão arterial.

2. Prevenção secundária - Tratamento da nefropatia incipiente e clínica
Consiste em se tentar deter a progressão da nefropatia para a insuficiência renal. O controle da glicemia, dos níveis lipídicos e da pressão arterial é mandatório. Na fase da nefropatia incipiente, mesmo na ausência de níveis pressóricos elevados, o emprego de inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) retarda a evolução para a fase proteinúrica. Na fase clínica o controle da pressão arterial é a medida mais eficaz no sentido de retardar a progressão para insuficiência renal. O esquema terapêutico a ser empregado deve incluir obrigatoriamente os IECAs. Deve-se restringir o consumo de proteínas a 0,8 g/kg com pelo menos 50 % de proteína de origem animal (frango e peixe).

3. Prevenção terciária - Tratamento da nefropatia na insuficiência renal avançada
Nesta fase, a introdução de IECA requer cuidados, sendo mais indicado o encaminhamento do paciente ao nefrologista pelo risco de hiperpotassemia grave e deterioração abrupta da função renal. Havendo necessidade de tratamento dialítico, a diálise peritoneal é o método de eleição. Nos casos em que esta não for possível, pode ser indicada a hemodiálise. Vale ressaltar, entretanto, que o transplante renal é o tratamento ideal.

4. Controle dos fatores agravantes
Deve-se ter em mente que diversas situações podem piorar a evolução da complicação renal. Entre elas estão a infecção urinária, emprego de fármacos nefrotóxicos, hipertrofia prostática, bexiga neurogênica e o uso de contrastes radiológicos.

Dislipidemias

Dislipidemias no paciente diabético
O tratamento das dislipidemias no paciente diabético adquire especial importância pelo fato de se constituírem em importante fator de risco tanto para complicações macrovasculares, como também microvasculares.

Hipertrigliceridemia, HDL-colesterol baixo e, em menor proporção, hipercolesterolemia são as alterações lipídicas mais comumente encontradas.

Avaliação laboratorial e objetivos do tratamento
Diabéticos adultos devem ser avaliados anualmente em relação ao seu colesterol total, triglicérides, HDL-colesterol e LDL-colesterol. Em caso de elevação do colesterol, causas secundárias, como, por exemplo, o hipotireoidismo, devem ser afastadas. Crianças diabéticas também devem ser avaliadas logo após o diagnóstico e monitoradas anualmente em caso de anormalidades.

Tratamento
Controle de glicemia
A maior parte dos pacientes diabéticos pode normalizar os seus níveis lipídicos através do controle adequado dos níveis glicêmicos.

Reavaliação do uso de medicamentos que possam levar à deterioração do perfil lipídico
Alguns medicamentos, como por exemplo, betabloqueadores e diuréticos podem alterar o perfil lipídico e a sua simples suspensão, quando possível, pode ser suficiente para a normalização.

Medidas não farmacológicas
A simples normalização do peso através da dieta e atividade física pode ser suficiente para obtenção de níveis lipídicos adequados.

Atividade física
Contribui para o tratamento da dislipidemia, na medida que, por si só, aumenta a sensibilidade periférica à ação da insulina. Tem também a propriedade de aumentar os níveis de HDL-colesterol, além de propiciar a possibilidade de o paciente reduzir o seu peso corpóreo para o normal. Deve ser prescrito de forma individualizada, levando em consideração as condições físicas, principalmente do ponto de vista cardiovascular de cada paciente. Devem ser observadas as orientações contidas no título "Exercício físico" deste consenso.

Tratamento dietético
O tratamento dietético é fundamental para o controle do diabetes mellitus e das alterações lipídicas a ele associadas. A dieta deve ter as seguintes características:

  1. Quantidade de calorias suficiente para que se atinja e se mantenha o peso ideal.
  2. Ingestão de gordura em quantidade inferior a 30 % do valor calórico total.
  3. Gordura saturada em quantidade inferior a 10 % do valor calórico total. Este nível deve ser reduzido em 7 % nos casos mais graves, podendo ser substituída por ácidos graxos monoinsaturados.
  4. Ingestão de colesterol em quantidade inferior a 300 mg/dia, podendo ser reduzida para 300 mg nos casos mais graves.
  5. Ingestão de 50 % a 60 % das calorias sob a forma de carboidratos complexos, com no mínimo 5 porções diárias de frutas e vegetais. Fibras solúveis contidas em legumes e algumas frutas e vegetais podem ter utilidade tanto no controle do colesterol, como no índice glicêmico.
  6. O consumo de álcool deve ser restrito, principalmente nos pacientes portadores de hipertrigliceridemia.

Tratamento farmacológico
Caso não haja resposta adequada ao controle da glicemia, dieta adequada e atividade física, drogas hipolipemizantes devem ser utilizadas no sentido de se obter os níveis lipídicos objetivados.

  1. Resinas quentes de ácidos biliares (colestiramina, colestipol)
    Bloqueiam a reabsorção de ácidos biliares excretados pelo fígado para o intestino, impedindo a circulação entero-hepática. Como conseqüência, aumentam o número de receptores periféricos para LDL. Não apresentam efeito sobre as HDL e podem elevar os níveis de VLDL e consequentemente de triglicérides. Deve ser considerada com muito cuidado a sua utilização em pacientes portadores de diabetes mellitus com neuropatia visceral e em idosos.
  2. Derivados do ácido fíbrico (genfibrozil, bezafibrato, fenofibrato, ciprofibrato, clofibrato)
    Ativam a lipase lipoprotéica, aumentam o HDL-colesterol, reduzem o VLDL triglicérides e, em menor escala, o LDL-colesterol. Não alteram a tolerância a carboidratos. Podem aumentar a incidência de colelitíase, a qual, por si só é condição mais prevalente em pacientes diabéticos. São as drogas mais eficazes na redução da trigliceridemia e possivelmente a mais indicada também quando coexistem hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia. Deve-se esperar pelo menos 3 meses para um efeito adequado.
  3. Inibidores da enzima HMGCoa-redutase (estatinas)
    Inibem a síntese de colesterol por inibição da HMGCoa-redutase, que é a enzima fundamental para que este processo ocorra.
    São as drogas mais utilizadas para o tratamento de hipercolesterolemia pura.
  4. Ácido nicotínico e derivados
    Foram usados durante muito tempo, porém aumentaram a resistência à insulina e pioram o controle glicêmico.
  5. Associação de drogas
    Devem ser utilizadas sempre que, isoladamente, com a dose máxima recomendada, não se obtenha o efeito desejado. Deve-se, entretanto, sempre considerar a possibilidade de somatória dos efeitos colaterais, monitorizando-os adequadamente.