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14/03/2016
As históricas enchentes de Caieiras

Eu deveria ter uns seis ou sete anos, quando vi enchentes pela primeira vez. Morava na Vila Leão, Bairro da Fábrica Melhoramentos. Na vila e em casa os comentários eram que, por causa das chuvas, o Rio Juqueri estava subindo. Morávamos afastados, mas algumas casas de ruas adjacentes já presenciavam o avanço das águas em seus quintais, hortas e pomares.

Na estradinha de acesso à nossa vila, também haviam transtornos. No trecho da Volta Fria, aquele percurso assustador e cheio de assombrações imaginárias, a água realizava sua dança. Subia pela mata ciliar, ultrapassava a margem, dominava nosso chão batido e nos impedia de ir às demais localidades do bairro. Utilizávamos então, um atalho feito no alto do morro, entre as árvores, plantações de milho e “almas do outro mundo”. Era um atalho estreito, irregular, escorregadio e muito sinuoso. Passávamos em fila para não despencar de lá.
Felizmente, quando as chuvas passavam tudo se normalizava. A Volta Fria ficava livre da turbulência das águas e todos nós voltávamos às nossas caminhadas, em passos sempre margeados, por aquele rio traiçoeiro.

Na Estação Cerâmica e nas proximidades da Capela Nossa Senhora do Rosário as enchentes também davam seu sinal de força encobrindo os trilhos da maquininha, nosso encantador meio de transporte. Como alternativa, surgia o caminhão Pau de Arara que seguia por um lindíssimo atalho: O da Serrinha. Entre aves e exuberante floresta éramos baldeados aos solavancos até um ponto derradeiro, na pracinha da portaria da fábrica, logo depois da Capela São José.
Desconheço algo mais tão traumático na época, exceto, é claro, o desconforto de seguir por atalhos tão complicados, como aquele, da assombrada Volta Fria.

Independente a isto, os melhoramentinos planejavam sair das Vilas e morar no centro da cidade de Caieiras. Eu mesma me deslumbrei com a mudança de casa e de bairro, no ano de 1965.
Contudo, jamais imaginei, que ainda assim eu fosse continuar assistindo tantos episódios de enchentes. E jamais imaginei uma inundação deste porte em minha querida cidade, como esta da ultima semana. Jamais imaginei ver Caieiras, na mídia, retratada em seu pleno caos.

Não fui atingida, não tive perdas, nem prejuízos. Mas saber do sofrimento de tanta gente, me abalou profundamente e me fez refletir sobre lentidão no progresso, sobre a inércia política e sobre a falência das instituições públicas que nada evoluíram em mais de meio século.
Minha poética e idílica cidade ficou submersa na água e na lama... Por causa do mesmo rio. Percebi a estagnação da região que, pouco evoluiu em tantas décadas.

Na minha infância as enchentes foram simples e passageiros eventos.  Hoje causaram lágrimas. Na minha infância as enchentes alagaram quintais. Hoje detonou uma cidade. Na minha infância as enchentes bloquearam alguns caminhos. Hoje ilharam uma população inteira. Na minha infância os atalhos surgiram para se prosseguir com confiança e segurança. Hoje eles naufragaram na ausência de soluções efetivas.

Há mais de 50 anos o Rio Juqueri transborda, provoca destruição, danos e desespero. As alternativas apresentadas, infelizmente, não passam de simbólica demagogia política acentuando que, as históricas enchentes continuarão a aterrorizar nossa região, a não ser que, o clamor dos caieirenses também mude definitivamente esta história.

Fatima Chiati