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08/06/2018
Depressão: os ruídos

Eles chegam discretos, como pequenos sussurros, quase imperceptíveis, um toque sutil nos tímpanos, sem ressoar mas indubitavelmente acelerando sinapses entre neurônios adormecidos.

Pequenos relâmpagos despertam os neurones hibernados. embebecidos no entorpecimento dos pensamentos ocultos.

Focos de luz brilham pelo centro nervoso em circunvoluções.

Premonições de rajadas alertam o corpo, e impressões dúbias maquiam o porvir.

De onde vêm?

Por que vêm?

Atormentação, perdição, confusão.

O caos bate na porta.

Que porta: do físico, da razão ou da emoção?

Não sei.

“Parem”!

Fragmentos do passado entre ações do presente, fazem estagnar o todo, e uma viagem de milésimos de segundos traz à sutil superfície comoções raquíticas de caducas, moradoras de um espaço supostamente inacessível.

Um estalo e a realidade regressa buscando o tempo que se esvaiu, delirando calado.

Só um raro momento!

Infelizmente não!

Os singelos murmúrios aumentam seu volume e já não desaparecem com a mesma facilidade.

Por instantes de lucidez têm seu timbre estridente silenciado mas lá estão: vivos, caminhando sorrateiramente pela mente fragilizada, envenenando cada singela molécula do que um dia se considerou um ser pleno.

E assim, contagiando tortuosamente o livre pensar, ruídos dominam as entranhas da natureza humana, e o racional afoga-se entre suas próprias suposições.

Escravo, assim será!

Escravo de si mesmo!

Escravo do passado, do presente e condenado futuro, agora certo e já escrito, estigmatizado de alienação premeditada.

Eles galopam em direção a trajetória fatal: garganta queimando, goela azedando, traqueia comprimindo, faringe deteriorando, esófago esfacelando, estômago doente. Uma intensa contração dobra o tórax e um brado aterrorizante escorre boca afora.

Ruídos caem em forma de ácido corrosivo nos órgãos já expostos, mesclando-se com o pseudo eu.

Um neuroma forma-se, infectando de torpedos o que a primórdios pertencia a um alguém: sanidade mental.

Sobem à massa nervosa obstruindo a cavidade craniana. Alterações psíquicas prontas para eclodir num surto psicótico.

Uma angustia e a vontade de chorar desabrocham em avalanche de tristeza sem sentido.

Os ruídos. São eles.

Estes amaldiçoados ruídos impertinentes e cada vez mais insistentes.

Perseguição!

A certeza do acossamento grita freneticamente e cambaleia nas esquinas da cabeça aflita.

Os insultos pultam veementes.

Os estrondos aglomeram-se, as injurias desconectam a claridade, propagando-se ao mesmo tempo.

Brisa transformando-se em furacão gradativamente.

São muitos, são enfim: vozes.

Vozes epiléticas.

“São apenas vozes da alma confusa, ilusão nascida do cansaço?”, última tentativa antes de cair no precipício.

“Não”!

A certitumbre do ilusório e passageiro quebra as pernas e um vácuo escuro ocupa seu lugar.

Sem distração.

“Não”!

Nada disto é verdadeiro: o passado não habita meu presente, sou senhor de pensamentos libertos”!

Luta!

As cordas vocais buscam uma nota solitária para aclamar: “Piedade”!

Ganas de gritar são mais latentes que qualquer outro sentir.

Os pulmões inundam-se.

O coração congela-se.

Onde esta a razão?

Será a razão esta voz que antes um sopro agora alaga o tórax com forças de mar revolto e sensação de congestão completa?

Afluxo nos vasos sanguíneos.

Explodirá.

Algo consome as vísceras.

Sim, são vozes.

É minha esta voz!

O que há?

Que redondeio disfarçado de verdade detém este rosto aturdido?

Os neurônios em descompasso aceleram a partida.

Estou ruindo meu próprio ser!

Não sou eu, não!

Onde estou?

Viva, presa num corpo atormentado.

Percorro as ruas imaginado onde esconderam a chave desta armadilha.

Mas o barulho externo torna insuportável viver no mundo de gentes.

Um lugar escondido.

Nele poderei ordenar as palavras que perambulam desordenadas.

A apatia.

Deito, cubro meu corpo, fecho os olhos na intenção de ensurdecer as vozes silentes que saem de meu cérebro em forma de drogas alucinógenas.

Mas elas estão ganhando força, não há como tolerar imensa dor.

Socorro!

Estou perdida aqui perto!

Perto de você!

Perto de mim!

Estou desistindo, segure minhas mãos!

Meu corpo desprega-se da psique, e não resta energia para esbravejar.

Não quero partir.

Socorro!

Abro os olhos.

Uma escuridão escavada na amargura do inferno, envolve minha existência.

O vazio completo.

O olhar hipnotizado.

Não há fome, não há vontades, não há nada. Somente o breu e sombras de uma realidade distante.

A viagem seguirá seu curso.

Silêncio aos ruídos.

OBS. Este texto é o relato de sensações iniciais de uma pessoa em depressão.

A intenção é ajudar os que padecem com esta enfermidade, mostrando que outros passam pelo mesmo sofrimento com a certeza de que são capazes de supera-la.

 

Daniele de Cássia Rotundo