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05/03/2019
Carnaval ainda é cultura popular?

Por Mario Sergio Barroso

Da folia e da alegria dos grandes bailes só restaram as cinzas. As fantasias encolheram, praticamente sumiram. As marchinhas foram substituídas por funk, axé e outras peças publicitárias.

Depois de anos de festa o carnaval ficou tão vendido que não dá para saber se hoje ele é cultura popular ou indústria de entretenimento. Empresas como a Ambev nunca lucraram tanto. Os fabricantes do spray de espuma nem se fala. A televisão então...

Em outras épocas, o que valia era brincar. A ingenuidade era tanta que o lança-perfume era usado apenas para jogar nos amigos, assim como a espuma de hoje. Será que a próxima geração vai cheirar a espuma?

O carnaval é mais uma vítima, ou melhor, nós somos vítimas. Vítimas da desvalorização da mulher, por exemplo. A sacanagem reina e as mulheres que não se sujeitam a isso são obrigadas a gritar: “a nossa luta é por respeito, mulher não é só bunda e peito”.

Quem se preocupa com isso? Todo mundo. Mas todo mundo adora ver uma mulher seminua na televisão ou na rua sambando. Isso é bom, mas o reflexo disso é mal. A maioria não tem discernimento para encarar a situação, principalmente os homens. Quando o sensual é substituído pelo sexual não adianta gritar por respeito, porque não vai haver.

“Será que eu serei o dono dessa festa?”. Os donos não, apenas os espectadores. Nas escolas de samba os artistas e os empresários mandam. Na rua é a bandidagem. Em casa é a televisão.

Os que participam dessa festa por amor, envolvidos com as escolas de samba e suas comunidades. Que tem o samba correndo nas veias até a ponta dos pés são tratados como coadjuvantes.

A nossa festa foi comprada. Turistas do mundo inteiro vêm para o Brasil para ver o carnaval, ou melhor, para ver as mulheres. Essa é a imagem do nosso país lá fora: “um bando de índios que adora jogar futebol e pular carnaval. Um lugar onde é só pagar e levá-las pra casa”. Mal sabem eles que os índios da América foram praticamente dizimados. Que o nosso carnaval e o futebol quase não são mais festas “populares”, pois são organizados por investidores que não se preocupam com a intenção do ritual. E muitas mulheres estão revoltadas em serem tratadas dessa maneira.

A velha-guarda deve se perguntar: “onde foi que nós erramos?”. Confete, serpentina, máscaras, fantasias. Tudo que era sólido se desmanchou no ar. A magia que o clima de carnaval proporcionava virou pó. Até o sexo que antes era feito sem preocupação hoje tem que ser feito com cuidado.

É por essas e outras que muitos odeiam o carnaval. Porque ele não é mais autêntico, nem verdadeiro. É uma festa de imagem, uma manifestação forjada, forçada. O que era regional foi capitalizado para se tornar tradicional.

“Mamãe eu quero, mamãe eu quero...” que esse tipo de carnaval se exploda. E que das cinzas ressurja a velha-guarda. Aqueles que não se preocupavam com direitos autorais das marchinhas. Os que saíam para festejar e não para arrumar confusão. Pessoas que buscavam a felicidade, a embriaguez e a sacanagem de uma forma mais divertida e menos corrompida.

A minha geração não pulou carnaval dessa forma porque não teve oportunidade. Por isso esse artigo não é saudosista, é apenas realista. Nossos pais e avós eram mais caretas, talvez mais felizes.

Mas o problema não está nas drogas (álcool, lança-perfume, cocaína), está em nós. Está no modo como encaramos as pessoas, os objetos, as substâncias químicas, enfim, como encaramos o mundo a nossa volta. Se tivéssemos consciência de que o verdadeiro sentido da liberdade é o respeito, tudo poderia ser liberado para ser usado. Pois saberíamos como conviver da melhor maneira entre nós e com nós mesmos.

Viva a quarta-feira de cinzas! E a segundona depois de tudo! Acabou o carnaval.

 


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