Versão para impressão

06/03/2021
Regressão ao paraíso perdido

Já é quase madrugada e o vinho que tomei está fazendo seu efeito me deixando nostálgico. Que bom, eu estava mesmo precisando da nostalgia para seguir as lembranças despertadas pelas músicas que ouço. Ah os pensamentos querem me abandonar indo para outros recantos da minha memória Eles estão querendo passear, reviver e retornar aos tempos felizes. Hoje eles estão saudosos e querem se transportar para onde a memória os possa levar. Que bacana! Estou na Estaçãozinha de Concreto da “maquininha” do trajeto Fabrica de Papel para Caieiras. As moças que trabalham na “Sala de Escolha” da Indústria Melhoramentos que não são do Bairro da Fábrica e são moradoras da Vila Cresciuma, do Monjolinho, do Serpa e etc. depois de seus almoços elas se sentam nos bancos da estaçãozinha para aguardarem a hora do retorno aos seus trabalhos. E eu as estou “vendo” agora e a música cantada pela Eliseth Cardoso “Canção de Amor” se inicia assim: “Saudade torrente de paixão, emoção diferente que aniquila a vida da gente, uma dor que não sei de onde vem...”

A maquininha está chegando. Só se a vê quando ela chega à estaçãozinha por aquele barranco que impede que ela seja vista antes, pois, primeiro se ouve o ruído estridente que a locomotiva a óleo faz nos trilhos puxando seus três vagões de passageiros. Quem terá desembarcado e quem será que irá embarcar depois quando ela retornar para Caieiras? Mas, estou aqui subindo pela escada que dá acesso ao Clube Recreativo Melhoramentos. Agora já defronte ao prédio moderno do restaurante da indústria, no piso superior tem um salão de exposição da indústria que também é um salão de baile. Como meus pensamentos me trouxeram para cá, aqui vou parar para melhor relembrar os fatos que ocorreram neste lugar.

Antes desse prédio que agora relatei existiu o salão do cinema que também foi um salão de baile e de carnavais que eram promovidos pelo Clube Recreativo Melhoramentos e que tristemente sofreu um incêndio que o destruiu. Diziam que a indústria local iria reconstruir o prédio e devolvê-lo para o clube utilizá-lo para as suas recreações, como os bailes, mas, isso nunca aconteceu. Relembrando, então, do prédio do cinema que “pegou fogo” assim como se dizia, atrás da parede do palco, ele era acoplado com o restaurante do então Senhor Alfredinho que fornecia refeições, mais para os “chefes” da Melhoramentos. Mas, voltando ao cinema, quem era o responsável pela projeção dos filmes se não me engano era o Senhor Pedro de Assis e seu auxiliar era o também conhecido também Moacir Gomes. Os filmes eram exibidos às quintas-feiras e aos sábados e domingos à noite. Antes da campainha que anunciava o apagar das luzes para o início do filme a última música sempre era a “Que será” cantada pela cantora Dalva de Oliveira: “Que será da minha vida sem o teu amor, da minha boca sem os beijos teus, da minha alma sem o teu calor, que será da luz difusa do abajur lilás se nunca mais vier a iluminar outras noites iguais...”

O salão do cinema também era utilizado para os eventos da Indústria Melhoramentos. Não foi “do meu tempo”, mas, a conhecida Senhora Violinda Pim esposa do Senhor Constante Toigo, se não me engano foi coroada rainha de Caieiras naquele salão do cinema. O salão também servia para as cerimônias de formatura dos alunos da escola. Eu participei de uma delas quando me diplomei do curso primário, assim como ele se chamava naquela época. Continuando com a minha caminhada recordativa até a sede do clube outras lembranças vão surgindo. À minha direita entre as árvores do terreno em declive havia um galpão donde nos dias feriados de primeiro de maio, dia do trabalho, eram servidos chopes e sanduíches de salsicha da marca Santo Amaro para os funcionários da indústria e de seus descendentes. Salsichas “Santo Amaro” como eram gostosas.

À minha esquerda o páteo de chão de terra batida que era o estacionamento para veículos. Alguns ônibus aqui ficavam estacionados depois que transportaram pessoas que vinham para um piquenique aqui no clube. Da planície do estacionamento subia um barranco inclinado até o campo de futebol donde parte da cerca dele se via do estacionamento. Depois de ir até a sede do clube vou dar um passeio lá em cima no campo de futebol. Cheguei à sede, mas antes de entrar vou percorrer com o olhar as imediações daqui. Olhando por sobre esta cerca que tem aqui que vem daquela parede do salão do clube até uma torneira que sempre está com água pingando, lá embaixo está o páteo contendo brinquedos. Balanços, gangorras e aquele mastro com correntes dependuradas nele desde o seu topo. Servia para que as pessoas se pendurassem nas correntes e com os seus impulsos circulavam em volta do mastro. Não me lembro se tal brinquedo tinha um nome. Parece que estou vendo as moças e as crianças dos piqueniques se divertindo naqueles brinquedos.

Pronto já adentrei no recinto do clube. Essa porta à minha esquerda e a entrada proibida para menores de dezoito anos. É a sala de jogos, de baralho e principalmente para as tão disputadas partidas de snooker. E à minha frente está o bar do clube. Estou vendo por detrás do balcão os conhecidos “caixeiros” do bar assim como eram chamados. Agora sim vou rever uma das minhas lembranças de quando eu era garoto. Ali no bar vou tomar um copo de groselha com água gelada. Ah que delícia! Agora olhando para o salão do caramanchão, como ele era chamado, os associados do clube ocupavam todos os lugares dos bancos para assistirem televisão em preto e branco. Gostavam de assistir o Repórter Esso e depois as atrações ingênuas como o Circo do Arrelia e outras atrações que ainda não tinham atentado ao pudor. Mas os bailes... Ah os bailes daquela época romântica. Que sensações e emoções eles despertavam nos frequentadores. Muitas moças vinham acompanhadas de seus pais. Quando se via um par ao dançar de rosto colado, isso era escândalo naquela época passada (risos). Às vezes acontecia sim dos diretores do clube chamar a atenção dos mais assanhadinhos por alguma conduta inadequada.

Saindo agora do salão, da sede do clube por onde entrei, virando à direita é uma subidinha que passa ao lado da entrada do galpão dos campos de bocha. E a subidinha terminou no início da escada que dá acesso ao campo de futebol. Que bom, está tendo jogo. Vou me dirigir à esquerda ladeando o cercado do campo e por detrás dos torcedores do time da casa que encostados na cerca gritam, gesticulam, até às vezes gritam palavrões contra algum jogador adversário e também quando um jogador do time da casa “perde a bola”. Faz tempo que eles morreram. Eram de uma geração anterior à minha. Passando agora por detrás da trave donde fica o goleiro, olho à esquerda e lá acima do barranco, encostadas na cerca e enfileiradas lado a lado até ao lado da arquibancada estão às moças assistindo ao jogo também. Arquibancada repleta de torcedores. “Eu me lembro com saudade. O tempo que passou. O tempo passa tão depressa. Mas em mim deixou. Jovens tardes de domingo. Tantas alegrias. Velhos tempos. Belos dias...”

Depois do jogo de futebol no Clube Recreativo Melhoramentos eu perambulei por todos os lugares deste lugar que, enquanto eu viver o terei intacto na mente e tendo-o nela ele nunca será demolido. Passeei por ai por todas as ruas, vi em suas casas todas as pessoas cujas fisionomias me ficaram gravadas na memória. Mais de mil casas eram propriedades da Indústria Melhoramentos, construídas que foram para os seus funcionários. Eram todas parecidas e nunca houve comparações entre elas pelos seus moradores. Não existia “a minha é melhor e mais bonita”. As pessoas deste local tinham a vaidade contida devido à simplicidade em que viviam. E agora devo voltar para a realidade e atualidade desta vida. É alta madrugada, o vinho do início desta reminiscência perdeu seu efeito sobre mim e a nostalgia sumiu. Todos têm as suas lembranças, nao é mesmo?

“As lembranças me chegam sempre em noites tão vazias E mexem tanto com minha cabeça Que quando o sono vem o dia já nasceu” (risos).

 

Altino Olimpio