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Derrame: terapia com células tronco

Em agosto, quando a dona de casa Maria da Pomuceno sofreu o terceiro acidente vascular cerebral (AVC, derrame), aos 54 anos, os médicos do Hospital Municipal Lourenço Jorge foram taxativos: ela nunca mais falaria, andaria ou recuperaria o movimento do lado direito do corpo. Uma coincidência pode ter mudado a vida dela: um médico do Corpo de Bombeiros levava um paciente para o hospital e descobriu o caso da dona de casa. Ele também era integrante de uma equipe de especialistas que estuda terapia celular. Dezessete dias depois desse encontro, Maria já andava sozinha, mexia os braços e falava poucas palavras. A dona de casa foi transferida do Lourenço Jorge para o Hospital Pró-Cardíaco, onde, três dias após o derrame, recebeu implante de células-tronco - retiradas de sua medula óssea - na área afetada do cérebro. A técnica foi desenvolvida numa pesquisa conjunta do hospital e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Não gosto de falar em resultados, porque gera expectativa em milhões de pessoas. O que eu posso falar é que a infusão de células-tronco não sugeriu causar mal ao paciente e que uma semana depois do tratamento havia metabolismo celular na área afetada e isso nunca aconteceu", diz o coordenador da pesquisa, o cardiologista Hans Fernando Dohmann, de 39 anos, que estuda técnicas de terapia celular há cinco anos. Empolgação A cautela de Dohmann contrasta com a empolgação do segurança Márcio da Costa, de 34 anos, um dos cinco filhos de Maria. "O que aconteceu foi um milagre. Devolveram minha mãe nova para a gente", diz. Costa não gosta de pensar no que poderia ter acontecido com sua mãe. "Acho que ela ia ficar vegetando, deitada numa cama, usando fraldas. Hoje em dia minha mãe tem uma vida normal. Anda, sobe escada, pega numa vassoura, faz tudo." A rotina de Maria inclui brincadeiras com os quatro netos, pequenos serviços domésticos e duas visitas semanais ao Pró-Cardíaco. Um carro do hospital vai a Rio das Pedras, favela na zona oeste da cidade, para buscá-la. Na instituição, a dona de casa faz fisioterapia e fonoaudiologia, tem a pressão verificada. "Ela é xodó dos médicos. Para o doutor Hans, é como se ela fosse uma filha", diz o segurança. Procedimento Maria recebeu células-tronco retirada da crista ilíaca, no osso da bacia. Um cateter foi inserido pela virilha e chegou à área do cérebro atingida. As células foram, então, liberadas. O procedimento durou 40 minutos. Nessa primeira fase da pesquisa, para atestar que o método é seguro, dez pacientes passarão pela técnica. Apesar de acidentes vasculares cerebrais serem comuns nos hospitais, os pesquisadores ainda não encontraram pacientes que se enquadrem no perfil determinado pelo protocolo da pesquisa: ter até 75 anos, ser vítima de AVC isquêmico agudo até o terceiro dia, que o problema tenha ocorrido na artéria cerebral média e que tenha sido desobstruída espontaneamente. A segunda fase da pesquisa começará a testar a eficácia do tratamento. Entre 40 e 50 pessoas serão submetidas ao método. A terapia com células-tronco pode estar aprovada em seis a oito anos. A equipe de Dohmann também pesquisa o uso de células-tronco para tratar lesões cerebrais antigas provocadas por AVC. O trabalho, ainda inicial, tem se mostrado pouco promissor. "Não houve resposta nos testes com animais que justifique o pedido de permissão para pesquisa com humanos. Isso não deve acontecer antes de dois anos", calcula o especialista.


O Estado de São Paulo