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12/05/05
Célula adulta age como embrionária

Descoberta sobre células-tronco, publicada em revista cientifica, traz nova esperança na criação de terapias para doenças regenerativas

"É o melhor dos dois mundos". Assim a geneticista Lygia da Veiga pereira, da Universidade de São Paulo (USP), define o novo trabalho de seu colega de profissão Rudolf Jaenisch, membro do prestigiado Instituto Whitehead, nos Estados Unidos. Na nova edição da revista especializada Cell (www.cell.com), ele desvenda o mecanismo eu permite certas células-tronco adultas se comportarem como embrionárias, com a capacidade de se multiplicar em laboratório ao mesmo tempo em que se mantêm indiferenciadas. O segredo está guardado em uma chave molecular, o gene Oct-4. A molécula trabalha no estágio inicial do embrião, "segurando" as células para não se diferenciarem antes da hora. No tempo certo, o gene se desliga e as células então formam os tecidos certos, como cardíaco, ósseo, cutâneo e daí em diante. Com o controle do gene, é hipoteticamente possível fazer com certas células-tronco adultas sejam mantidas neste estágio sem diferenciação, o que pode expandir seu campo de atuação na pesquisa de novos tratamentos. As células-tronco têm a capacidade virtual de formar diversos tecidos do corpo e, por esse motivo, são encaradas atualmente como uma esperança na criação de terapias para doenças degenerativas como mal de Parkinson e diabete. Elas são encontradas no corpo e, locais como medula óssea, sangue e cérebro. Porém, são aquelas retiradas de embriões que têm tal versatilidade multiplicada e são mais fáceis de serem cultivadas artificialmente. Por outro lado, as células-tronco embrionárias estão no centro de um debate ético sobre a validade de usar embriões humanos- que para alguns grupos, como os católicos, podem ser considerados seres vivos- na pesquisa de novos métodos terapêuticos, que podem aliviar o sofrimento de milhões de pessoas no mundo. O governo dos Estados Unidos, por exemplo, onde Jaenisch está baseado, não financia o trabalho com células-tronco embrionárias, apenas adultas, por questões mais religiosas do que cientificas decisão que engessou algumas linhas de pesquisas no país. O novo estudo se esquiva da polêmica. Nocaute Jaenisch se firma no trabalho de um pesquisador do seu laboratório, Konrad Hochedlinger, que por curiosidade "ligou" o gene Oct-4 dormente em camundongos transgênicos para saber o que ocorreria. Como conseqüência, os animais tiveram tumores no intestino e na pele porque as células se desenvolviam de forma descontrolada. Por outro lado, quando o gene era "desligado" ou "nocauteado", como dizem os geneticistas, o tumor enfraquecia, um indicativo de que o processo pode ser revertido. "(A ativação do gene) Pode levar à informação de um câncer, por isso é importante saber o momento de desligá-lo", comenta a geneticista da USP. A expressão do gene Oct-4 já havia sido observada em certos tumores, como câncer de testículos e de ovário. Já a expansão reversível "de células progenitoras da pele pela indução do Oct-4 pode ser de um potencial interesse médico (...), que podem ser usados na regeneração da epiderme" , como para tratar vitimas de queimaduras, escrevem os cientistas na revista Cell. Potência Apesar de a dupla evitar a expectativa criada em torno da descoberta, o que mais chama a atenção na experiência simples é a possibilidade de se manipular as células-tronco adultas da mesma forma que se trabalha com a variação embrionária. O cultivo em laboratório é um processo essencial para que o cientista possa estudá-las e para a viabilidade de tratamentos. Só que, normalmente, uma célula tirada de um tecido adulto começa quase que imediatamente a se transformar. Sua manutenção indiferenciada exige o uso de substâncias químicas cujos efeitos ainda não foram completamente esclarecidos nem mantidos em longo prazo. "Jaenisch mostra que é possível multiplicar quase infinitamente essas células sem que elas percam a pluripotência (a capacidade de formar qualquer tecido)", explica Lygia. A ferramenta genética, diz ela, aumenta a possibilidade de se utilizar a fonte adulta. Para o americano, a descoberta fornece uma nova maneira de encarar as células-tronco, pois torna possível implantá-las de volta no paciente sem a formação de tumores. O laboratório, localizado dentro do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), continua a pesquisar o potencial do gene Oct-4. Agora, eles testam se sua ativação pode facilitar a reprogramação de células somáticas (qualquer uma exceto os gametas sexuais) e a manipulação de células-tronco embrionárias para cada paciente. Jaenisch é um pioneiro no trabalho com transgenia. Ele foi o criador do primeiro modelo animal transgênico e conduziu a primeira correção genética em camundongos pela clonagem terapêutica.

O Estado de São Paulo