» Notícias » Saúde » Ler notícia

03/06/2011
Meningite, não há motivo para pânico

Nuca rígida e dolorosa é um sintoma
Meningite- Dr. Drauzio Varella

Dr. Esper Kallás, médico infectologista da Universidade Federal de São Paulo e do Hospital do Servidor Público do Estado de São Paulo.

Meninges são membranas que envolvem o encéfalo (cérebro, bulbo e cerebelo) e a medula espinhal que corre por dentro da coluna vertebral. Elas são constituídas por três camadas: dura-máter, aracnóide e pia-máter. No espaço entre a aracnóide e a pia-máter circula o líquido cefalorraquidiano (LCR) ou líquor.
Quando uma bactéria ou vírus, por alguma razão, consegue vencer as defesas e aninhar-se nas meninges, elas se inflamam, podem produzir pus e a infecção se espalha por todo o sistema nervoso central.
Dor de cabeça, vômitos, rigidez da nuca, prostração, febre alta são sintomas característicos do quadro de meningite. Por isso, nunca devem ser desconsiderados,
especialmente em duas faixas etárias extremas: nos primeiros anos de vida e quando as pessoas começam a envelhecer. Diagnóstico precoce e início imediato do tratamento são fundamentais para controlar a evolução da doença.

Agentes infecciosos da meningite
Sinais de alerta

Drauzio – Como os pais podem reconhecer a meningite nos filhos e o que devem fazer nessas circunstâncias?
Esper Kallás – Toda a vez que a criança, especialmente se for muito pequena, ficar muito mole, caída, pouco responsiva, irritadiça, com febre e se queixar de dor de cabeça é preciso suspeitar de que possa ser um quadro de meningite.
Drauzio – Dor de cabeça em criança tem sempre que valorizar.
Esper Kallás – Tem que valorizar. Se ela vomita, vai ficando mais prostrada e apresenta dificuldade para mexer a cabeça porque a nuca está mais rígida e dolorida, é preciso procurar um médico para obter um diagnóstico e começar o tratamento o mais depressa possível.
Drauzio – O atendimento rápido e a instituição do tratamento logo que os primeiros sintomas da doença se manifestam, em geral, asseguram boa evolução do caso.
Esper Kallás – A maioria das infecções por meningococo, em geral as mais graves, se tratada precocemente, costuma evoluir bem. As pessoas se curam e não ficam com seqüelas.

Diagnóstico e tratamento

Drauzio – Às vezes, o tratamento tem de ser mais agressivo e exige internação hospitalar.
Esper Kallás - Quanto mais rápido o tratamento começar, menor a possibilidade de o quadro evoluir mal. Por isso, feito o diagnóstico de meningite, providencia-se imediatamente o exame do líquido da espinha (líquor ou líquido cefalorraquidiano) para saber o tipo de agente infeccioso envolvido. Se for uma bactéria, o antibiótico precisa ser introduzido sem perda de tempo. Se for um vírus, bastam os cuidados prescritos para as viroses em geral. O paciente pode voltar para casa, pois em um ou dois dias o problema estará provavelmente resolvido.
No entanto, se não houver indicação segura do agente infeccioso que provocou a doença, introduz-se imediatamente o antibiótico. Na dúvida, sempre pró-réu.
Drauzio – Quando você usa a expressão na dúvida, pró-réu, quer dizer que a pessoa deve tomar antibiótico enquanto espera o resultado do exame de líquor?
Esper Kallás – Se o exame vai demorar, somos obrigados a prescrever antibiótico antes de saírem os resultados. Criança com meningite não pode esperar seis horas sem medicamento para fazer o exame ou receber o resultado, porque meningite bacteriana grave pode matar em seis horas.
O principal indício de que o quadro não está evoluindo bem é a criança ficar largada, muito caída, e aparecerem manchas vermelhas em seu corpo. É uma manchinha no rosto, debaixo da pálpebra, às vezes uns pontinhos vermelhos na conjuntiva, meia hora depois uma na mão e outra no joelho. Esses sinais caracterizam uma emergência médica que requer atendimento o mais rápido possível.
Drauzio – O que expressam essas manchinhas pelo corpo nos casos de meningite?
Esper Kallás – Elas são expressão de que há grande quantidade de bactérias circulando pelo sangue. Em medicina, isso se chama septicemia ou, de acordo com a terminologia técnica, sepse. As manchas vermelhas indicam que, em vez de a bactéria concentrar-se no cérebro ou na coluna, prefere circular mais rápido e causar uma infecção generalizada, às vezes, antes mesmo de instalar-se nas meninges.
A septicemia ou sepse é muito grave porque faz a pressão sangüínea cair rapidamente e a pessoa entra em choque. Nesse caso, mesmo nos melhores centros médicos do mundo, o índice de mortalidade se aproxima de 30%. Já nos casos em que a meningite é isolada, quer dizer, a criança não chega a ter essas manchas, mas apresenta os outros sintomas, a mortalidade é bem menor. Parece que há tempo para os profissionais de saúde instituírem o tratamento com antibióticos, líquidos, etc., e a criança tem mais chance de recuperar-se.

Diferença entre as virais e as bacterianas

Drauzio – Existem dois grandes grupos de meningite: as bacterianas capazes de produzir quadros gravíssimos e as virais, que têm apresentação benigna e evoluem independentemente do tratamento para a regressão completa em poucos dias. Como se estabelece a diferença entre as duas?
Esper Kallás – A diferença só pode ser estabelecida por um médico através de alguns exames especiais. O principal é a análise do líquido da espinha colhido na região lombar (na parte inferior da coluna) ou na nuca. A presença de pus nesse material normalmente cristalino indica infecção por bactéria, e a meningite (também chamada de purulenta por isso) exige tratamento agressivo.
Drauzio – O que dá a certeza do diagnóstico é o exame do líquor. Muitas mães têm medo desse exame. Ficam impressionadas com a necessidade de introduzir uma agulha na espinha da criança.
Esper Kallás – Esse exame é absolutamente necessário e profissionais com experiência o realizam como se estivessem tirando uma amostra de sangue.
Drauzio – Vamos nos ater um pouco mais nas meningites bacterianas. A pessoa adquire a bactéria em geral pelas vias aéreas superiores. Mucosa nasal, amídalas, faringe. Na maioria das vezes, ela se assesta nesses órgãos e provoca uma infecção que é curada. Por que há casos em que ela se instala exatamente nas meninges?
Esper Kallás – Ainda está em estudo, mas parece que as três principais bactérias que causam meningite - meningococos, pneumococos e hemófilos – conseguem romper a divisão entre o aparelho respiratório e o sangue e têm a capacidade de alcançar o sistema nervoso e nele se instalar. Pode-se dizer, então, que elas têm afinidade pelo sistema nervoso.
Vale lembrar que, no dia-a-dia, entramos em contato com uma infinidade de bactérias, mas pouquíssimas com a propriedade marcante de migrar para o cérebro e causar meningite. Por isso, a maioria das pessoas não desenvolve a doença. Um caso, porém, de meningite meningocócica numa criança justifica a prescrição de alguns medicamentos para todas as pessoas que morem na mesma casa a fim de erradicar as bactérias que estejam eventualmente em sua respiração, já que as da meningite gostam de se alojar no trato respiratório.
Drauzio – Os contactuantes devem ser medicados tenham sintomas ou não?
Esper Kallás – Dependendo do tipo de meningite, sim. No caso de meningite causada por meningococo, uma doença bastante grave, é preciso assumir que quem convive intimamente com o paciente pode ter adquirido a bactéria e por isso deve ser medicado.
Drauzio – Quando aparece um quadro de meningite numa escola, as mães ficam muito preocupadas e acham que as aulas deveriam ser suspensas.
Esper Kallás – Tudo depende do tipo de meningite. A meningite por meningococo, às vezes, exige erradicação em todas as crianças que conviveram com o doente. Já a meningite por pneumococo, por exemplo, não requer erradicação.
As regras variam muito, mas permanece o mito de que um caso de meningite num aluno requer que se suspendam as aulas e se feche a escola. Não é essa a melhor conduta a adotar.
O Estado de São Paulo possui um sistema de vigilância de casos de meningite bastante eficiente e um sistema de notificação bem montado.Todo caso de meningite, qualquer que seja sua causa, é de notificação compulsória, ou seja, o profissional ou a unidade de saúde que identificarem um caso da doença são obrigados a mandar uma ficha para o Centro de Vigilância Epidemiológica Estadual.
Drauzio - Como funciona esse serviço?
Esper Kallás - No site do CVE - www.cve.saude.sp.gov.br - podem ser obtidas as informações dos principais agravos de doenças transmissíveis em São Paulo, mês a mês, ano a ano.
Se houver grande aumento no número de casos em determinado mês que caracterize uma situação de epidemia, o serviço está preparado para instituir medidas mais drásticas, inclusive fechar as escolas por alguns dias. Essas situações de exceção quem identifica é o CVE. Medidas desproporcionais à gravidade da situação podem trazer enormes transtornos sem nada que os justifique.
Vacina contra meningite

Drauzio – Quando se fala sobre vacinas contra meningite, estamos nos referindo apenas às meningites bacterianas?
Esper Kallás – Essa é uma pergunta muito importante. Vamos destacar outra vez as meningites bacterianas causadas pelo meningococo, pelo pneumococo e pelos hemófilos que podem provocar quadros graves e deixar seqüelas, como surdez em um ou nos dois ouvidos porque a infecção afeta os nervos auditivos.
Para a meningite por hemófilos, que ocorre em crianças até por volta dos 5 anos, existe uma vacina que já faz parte do calendário de vacinação e é administrada aos dois, quatro e seis meses de vida, sendo feitas depois as doses de reforço.
Drauzio – Essa vacina não protege apenas contra a meningite, protege contra outras doenças também…
Esper Kallás – É verdade, porque essa bactéria, às vezes, causa sinusite e otite nas crianças. Muito bem. Segundo os dados divulgados pela Secretaria de Saúde, essa vacina está reduzindo drasticamente o número de casos de meningite causada por hemófilos, pois está sendo ministrada na maioria das crianças uma vez que faz parte do programa oficial de vacinação.
A vacina contra a meningite por pneumococo também existe, mas enfrenta um problema logístico. Ela foi lançada em países europeus e nos Estados Unidos e adaptada para o tipo de bactéria que existe nesses lugares. No Brasil, o pneumococo é um pouco diferente e, embora sejam necessárias algumas adaptações, a prevenção que oferece é boa.
Quanto à vacina contra meningite por meningococo, a problemática é outra. Existem vários grupos dessa bactéria. Para um deles há uma vacina lançada recentemente que previne quase 100% dos casos. Mas há outros dois que não respondem da mesma maneira. A proteção é bem menor e funciona mais tarde, quando a criança está mais velha, ou seja, quando os casos de meningite são menos comuns.
Drauzio – Na verdade, a pessoa precisa ser protegida contra as três bactérias que provocam meningite o que não é uma coisa simples de fazer.
Esper Kallás – Não é. Contra a doença provocada especialmente pelo meningococo é preciso pedir ajuda para a unidade de saúde que oferece vacinas, ou para o médico e clínicas particulares.

Pico de incidência

Drauzio – Por que as crianças são mais susceptíveis à meningite?
Esper Kallás – A incidência da meningite tem um pico na primeira infância. Quanto mais jovem a criança for, maior a possibilidade de ficar doente. À medida que vai crescendo, o risco diminui e reaparece com o envelhecimento.
A meningite é, portanto, uma doença que se concentra nos dois extremos da vida, quando a defesa do organismo está um pouco imatura ou quando começa a enfraquecer por causa da idade.
No entanto, como ocorre preferencialmente em crianças, as ações de identificação de casos de meningite, de instrução dos sintomas e preparação da rede de médicos e hospitais objetivam instruir a respeito da identificação de casos de meningite nessa faixa etária.

Seqüelas

Drauzio – O medo das seqüelas apavora todas as pessoas que têm uma criança com meningite. Elas realmente ocorrem?
Esper Kallás – As seqüelas das meningites bacterianas podem ocorrer e o risco é proporcional ao tempo que se demora para fazer o diagnóstico e instituir o tratamento.
A meningite provoca uma inflamação das membranas que estão em volta do cérebro. Se nada for feito, há um acúmulo de pus que não tem por onde escapar e a formação de abscessos que afetam partes nobres do cérebro ou alguns nervos. Essas lesões neurológicas são irreversíveis. Por isso, quando a doença demora a ser diagnosticada e tratada pode provocar seqüelas como surdez, alterações de percepção e movimento ou outras ainda mais graves.
Drauzio – Você falou que o surto de meningite de 1972/1974 foi o pior do mundo. Por que aconteceu isso no Brasil?
Esper Kallás – Havia uma epidemia provocada por um tipo de meningococo quando surgiu um outro, o meningococo do soro-grupo A, que praticamente não se encontra no Brasil, e que provocou uma epidemia explosiva.
As estatísticas indicam que a cada 100.00 habitantes, 250 tiveram a doença. Quem viveu essa experiência diz que havia hospitais inteiros que só recebiam casos de meningite. A infecção era tão comum que todas as pessoas com febre e dor de cabeça faziam exame do líquido da espinha.
Nessa época, eu era criança e morava no interior de Minas Gerais. Meu pai ficou sabendo que na cidade vizinha iria chegar a vacina, pegou a criançada, enfiou no carro e para lá se dirigiu. No caminho, encontramos caminhões cheios de gente que também ia atrás da vacina. O pânico, aliás justificável, era tanto que as pessoas se dispunham a viajar centenas de quilômetros só para serem vacinadas.
Essa epidemia impressionante foi desaparecendo. Alguns acreditam que pela intervenção da vacina, mas o desaparecimento foi tão rápido que aparentemente ela se esgotou.







Site Do Dr. Drauzio Varella