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08/04/2023
A Páscoa e os ovos de chocolate

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Muitas tradições da Páscoa — como os pães doces e o almoço de domingo — vêm do cristianismo da era medieval ou até das crenças pagãs mais antigas. Mas o ovo de chocolate é uma reviravolta mais recente.

Ovos de galinha são consumidos na Páscoa há séculos. Há muito tempo, os ovos simbolizam o renascimento e a renovação, o que os torna perfeitos para comemorar a história da ressurreição de Jesus, que coincide com a chegada da primavera no hemisfério norte.

Atualmente, a Igreja Católica permite o consumo de ovos durante o período de jejum da quaresma, mas, na Idade Média, eles eram proibidos, junto com a carne e os laticínios. Os chefes de cozinha medievais, muitas vezes, encontravam formas surpreendentes de contornar a proibição — e até faziam ovos falsos para substituir os verdadeiros.

Mesmo depois que os ovos foram permitidos nas refeições no período de jejum, eles continuaram ocupando lugar de destaque no banquete de Páscoa. O escritor de livros de receitas do século 17 John Murrell recomendava "ovos com molho verde", uma espécie de pesto feito com folhas de azedinha.

Em toda a Europa, os ovos também eram oferecidos como dízimo para as igrejas locais na Sexta-Feira Santa.

Pode ter sido daí que surgiu a ideia de dar ovos de presente.

A prática foi abandonada em muitas áreas protestantes depois da Reforma, mas algumas aldeias inglesas mantiveram a tradição até o século 19.

Não se sabe exatamente quando as pessoas começaram a decorar os ovos, mas as pesquisas apontam para o século 13, quando o rei inglês Eduardo 1º (1239-1307) deu ovos embalados em folhas de ouro de presente para seus cortesãos.

Sabemos também que, alguns séculos mais tarde, pessoas de toda a Europa coloriam seus ovos. Normalmente, escolhiam o amarelo, usando cascas de cebola, ou vermelho, com raízes de plantas rubiáceas ou beterraba.

Acredita-se que os ovos vermelhos simbolizassem o sangue de Cristo. Um autor do século 17 indicou que essa prática vinha dos primeiros cristãos da Mesopotâmia, mas é difícil saber ao certo.

Na Inglaterra, a forma mais popular de decorar os ovos empregava pétalas de flores, que geravam impressões coloridas. O Museu Wordsworth, na região de Lake District, ainda conserva uma coleção de ovos feitos para os filhos do poeta William Wordsworth (1770-1850) nos anos 1870.

Dos ovos secos para os de chocolate

Pintar ovos com padrões coloridos ainda é uma atividade comum na Páscoa, mas, atualmente, esses ovos são cada vez mais associados ao chocolate. Quando ocorreu essa mudança?

Quando o chocolate chegou pela primeira vez à Grã-Bretanha no século 17, era uma novidade fascinante e muito cara.

Em 1669, o Conde de Sandwich pagou 227 libras por uma receita de chocolate do rei Carlos 2º (1630-1685). O valor equivale a 32 mil libras (cerca de R$ 204 mil), em valores atuais.

Hoje em dia, o chocolate é considerado um alimento sólido, mas, na época, era uma bebida normalmente condimentada com pimenta, seguindo as tradições maias e astecas.

E, para os ingleses, essa nova e exótica bebida era diferente de tudo o que eles já haviam experimentado. Um autor a chamou de "néctar americano": uma bebida para os deuses.

O chocolate logo se tornou uma bebida da moda entre os aristocratas, muitas vezes oferecida de presente, como símbolo de status. E essa tradição permanece até hoje.

A bebida também era apreciada nas recém-abertas cafeterias de Londres. O café e o chá também haviam acabado de ser introduzidos na Inglaterra, e as três bebidas rapidamente mudaram a forma como os britânicos interagiam socialmente entre si.

Foi naquela época que os teólogos do catolicismo, de fato, relacionaram o chocolate à Páscoa, mas devido à preocupação de que tomar chocolate infringiria as práticas de jejum durante a quaresma.

Após intensos debates, ficou definido que o chocolate preparado com água poderia ser aceitável durante o jejum. Pelo menos na Páscoa — uma época de festa e celebração — o chocolate era aceito.

O chocolate continuou sendo caro até o século 19. Em 1847, a empresa Fry’s (que hoje pertence à fábrica de chocolates inglesa Cadbury) produziu as primeiras barras de chocolate sólidas, que revolucionaram o comércio do produto.

Com isso, o chocolate ficou muito mais acessível na era vitoriana, mas ainda era visto com certa complacência. E, trinta anos mais tarde, em 1873, a Fry’s desenvolveu o primeiro ovo de Páscoa de chocolate como uma iguaria de luxo, mesclando duas tradições relacionadas à troca de presentes.

Mesmo no início do século 20, esses ovos de chocolate ainda eram vistos como um presente especial e muitas pessoas nunca comiam os que ganhavam. Uma mulher no País de Gales chegou a guardar um ovo de 1951 por 70 anos e um museu em Torquay, no sul da Inglaterra, recentemente comprou um ovo que estava guardado desde 1924.

Somente nos anos 1960 e 1970, os supermercados começaram a oferecer ovos de chocolate a preços mais baixos, esperando lucrar com a tradição da Páscoa.

Com as preocupações crescentes sobre a continuidade da produção de chocolate e a gripe aviária reduzindo a produção de ovos, a Páscoa poderá ter aparência um pouco diferente no futuro. Mas, se há uma coisa que os ovos de Páscoa podem nos mostrar é a capacidade de adaptação das tradições.

*Serin Quinn é aluna de PhD do Departamento de História da Universidade de Warwick, no Reino Unido.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em inglês.



BBC