31/07/2012
O Armazém da Fábrica

Hoje me lembrei do Armazém da Fábrica onde,  até 1.965, fui assídua frequentadora . Ia sempre acompanhada da minha madrinha, dos meus pais e outras vezes, somente com a criançada, na saída  da escola, no final da tarde.
O Armazém realmente era interessante e bastante peculiar, com  as vassouras caipiras, rodos de madeira, enxadas, baldes sempre  expostos à porta e à vista de quem passasse pela rua. Logo na entrada ficavam  os balcões enormes de madeira escura, com algumas vitrines de pães,  doces,  gavetas com peças de armarinho e os gavetões de grãos e cereais que eram vendidos à granel. Sobre este balcão havia a tradicional  balança na cor vermelha, um fatiador de mortadela e  o irresistível baleiro giratório. Por traz do balcão, prateleiras e  estantes acomodavam outras mercadorias como   bebidas, produtos de limpeza, enlatados, bolachas ,linguiças .Já o bacalhau,  tão comum em nossas mesas,   ficava acomodado em caixas de madeira para livre escolha.
Algumas compras, quando não eram pagas na hora, eram   marcadas, numa caderneta e liquidadas   no dia em que a Melhoramentos também pagava seus funcionários.
Comprava-se muito no Armazém e  muitos sonhos de consumo da época, foram ali atendidos .Nos dias comuns se comprava arroz, feijão, café, açúcar mascavo, óleo em latas de 5 litros, banha de porco, manteiga e queijo duro para ralar. As mulheres compravam  ainda,  os   sabonetes Gessy, o Talco Ross, a Cera Cardeal para os tijolos vermelhos das casas, o sabão em pedra Vencedor e as pedrinhas de  anil para a lavagem das roupas. Para as crianças, comprava-se   a Aveia Quaker em lata, acompanhada  sempre de  uma chavinha que, ao ser torcida, enrolava a tampa de alumínio, expondo o delicioso cereal. E para não se fugir à regra, comprava-se também a malvada cachaça  Tatuzinho,  a cerveja Malzbier e os  cigarros industrializados como o Macedônia, sem filtro, com embalagem cor de laranja, que meu pai se deliciava ao tragar na área da nossa casa. Para alguns, ainda fiéis ao cigarro de palha, havia  o  fumo de corda,  sempre em rolos,  num canto próximo à porta, exalando seu  cheiro ardido , forte e tão característico.
Comprava-se marrom glace , goiabada da Cica e logicamente,  o pão de cada dia, sempre  em “bengala”, cuja ponta (o bico) sempre foi devorada  ao  longo do  caminho  de volta para casa. E como só, em  dias  especiais e aos domingos, era permitido tomar refrigerantes,    naquele estabelecimento também se comprava a famosa  Tubaína e a  Crush  em sua escultural  garrafa de vidro.
Para as crianças das vilas, o lugar era  de pura diversão, alvo de desejos  ingênuos regados unicamente com o melado das diferentes guloseimas.
Para mim foi muito mais, pois sempre me encantei com o visual diferente, abarrotado de coisas, liberando  cheiros e aromas dos mais variados e imagináveis.
Dezenas de vezes, na saída da escola, passei  ali e nunca resisti ao doce de abóbora em formato de coração, meu predileto até hoje. Da mesma forma, as balas sonksen, em charmosas latinhas e os deliciosos dadinhos da Diziolli que derretiam na boca, aguçaram  demais  meu paladar. A vitrine expunha aqueles doces todos de forma tão convidativa que,  precisávamos  nos agachar para escolher. Entre marias-moles, cocadas e gomas coloridas, sempre foi difícil decidir. O tentador baleiro de vidro, sobre o balcão, guardando  outras maravilhas açucaradas como as balas  toffie, balas de café, paçoquinhas, pirulitos, pés de moleque, complicava a escolha.
Um dia, porém, ao chegar no armazém, meus olhos brilharam além da conta por  algo bem diferente: um emaranhado de tamancos de madeira, amarrados uns aos outros,   pendurados no batente da porta.
Devo ter insistido bastante, pois ganhei um par, na cor vinho. Tão lindo, tão pesado, tão desejado que, no primeiro uso me jogou ao chão. Um pequeno barbante, não observado, unia os dois pés. A ponta do dedão quase arrancada, foi o preço do sonho realizado.
Mas teve suas compensações. Uma delas, reconheço, foi conseguir, ainda hoje, relembrar com emoção momentos tão bonitos, vividos num local simples, sem luxo, sem  pompas, sem produtos  de grife, mas com um encanto próprio e  indescritível.
A segunda, sem sombras de dúvida, foi  poder resgatar e escrever sobre  todas estas passagens que  marcaram  a minha vida e a de todos que  um dia, fizeram parte daquelas Vilas da Melhoramentos e  do  seu inesquecível  Armazém.

                                                        FATIMA CHIATI

 

 

Comentários:

O Armazém e seus personagens inesquecíveis, Sr. Genésio, Nestor Lisa, etc. Nestor  era especialista em fazer a molecada voltar para casa e perguntar para a mãe, se era seis ou meia duzia que ela queria, 500 gramas ou meio quilo, de quebra tomavam bronca das maẽs com a explicação que era a mesma coisa, não adiantava, o Nestor convencia de novo. Nessa brincadeira todos eram cúmplices, numa ocasião minha Avó foi reclamar com o Sr. Genésio, ele apenas sorriu e disse que o Nestor era muito brincalhão, quem pagou o pato foi meu Avô Vitório que ficou ouvindo a Dona Lucinda por dias, exigindo que ele fosse falar com o Sr. Genésio, querido Nestor Lisa, acho que foi a primeira lição contra a ingenuidade que recebi na vida. Edson Navarro.

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Acabei de ler, ufa mas que viagem através dos tempos, com a descrição até

parece que estou entrando no estabelecimento, para comprar minhas alpargatas, doces, pão, gramas de mortadela pra comer com esse delicioso pão, tinha até pinicos a venda, tudo que se possa imaginar a gente encontrava sem falar no bom atendimento dos funcionários, me lembro do Pedro Ulmann (Pierim que tocava na banda do maestro Sérgio Valbusa), do Quiche, Nestor, Genésio, Lasinho filho da dona Nicácia entre outros, mas que saudades as guloseimas de hoje não tem o mesmo sabor daquela época que a gente comprava com tanta dificuldades. Lembro-me das bolachas confiança que vinham em lata e a gente comprava em gramas ou kilos. Que bom que eu passei por essa época e posso comparar com o hoje. Parabéns mais uma vez Fátima que linda descrição. Abç chico (Francisco de Freitas)

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Fátima,Muito bom.Você escreve muito bem.

 

E as recordações são maravilhosas e fiéis aos fatos da época. Sérgio Siqueira.

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SOBRE O ARMAZÉM DA FÁBRICA:

Fátima, excelente sua descrição sobre o armazém da Fábrica...muito sensível.

Só algumas coisinhas a acrescentar:

-as bolachas maisena que tinham “maria-mole” no meio (cujo nome eu soube
muito tempo depois que eram as “mariolas”);

-os doces em lata da Cica do tipo “quatro em um”; (a figada e a pessegada
eram menores, ou a gente comia mais rápido?)

-a manteiga “Aviação”, naquelas latas tipo bola;

-o encarregado do armazém na minha época era o sr. Elpidio...

Grato pela crônica...

Nilson da Curva

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Fátima Chiati

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