30/11/2015
Luta de boxe

Ano 1959, mudamos para Itapeva, sul de SP onde meu velho pai foi trabalhar na Sguario Papéis. Cidade aprazível, bem cuidada, povo simples e cordato. O principal lazer dos munícipes era o futebol de campo todos os domingos, do Santana EC, valoroso time da cidade. O Futebol de Salão também atraia bom público no pequeno Ginásio de Esportes, ao ar livre, local. 
 
Mas o que mexia com o público itapeveense mesmo, era o Box amador. Itapeva tinha uma equipe de Boxeurs de respeito, idolatrada na cidade e na época em que morei lá, dois atletas se sobressaiam na equipe local; Eram, o Nêgo Coisa Ruim e o Koréia. Nêgo era Peso médio, forte, atarracado, mal humorado, cara de poucos amigos, ídolo maior na cidade e praticava o Box barroco, pesado, sem muita técnica; Koréia era Peso Meio Médio, loiro, também forte mas festeiro, ídolo das mulheres pelo seu trajar e linguajar. Lutava bem, clássico, plástico, tendendo ao estilo Cassius Clay (Muhamadt Ali).
 
O box nacional estava em alta com Eder Jofre sagrando-se Campeão Mundial dos Peso Galo, derrotando Joe Medel e logo após, o Eloy Sanches nos EUA.
 
Marcou-se então, num sábado, um desafio entre uma Academia de Box de São Paulo e o pessoal de Itapeva. No Ginásio ao ar livre cabiam no máximo 1500 pessoas (entraram 2000). Os ingressos foram vendidos em 2 horas no Bar da Praça da Matriz. A cidade engalanou-se para o evento. Frisson total.
 
Chega então o sábado mágico. Logo cedo, lá pelas 8 horas, chegou o trem que fazia SP / Sul do Brasil trazendo o pessoal adversário. Vieram umas 20 pessoas sendo 6 lutadores, técnico, massagista, roupeiro, um juiz, administrador e alguns torcedores da nobre arte.
 
Notei que um dos lutadores trouxe sua irmã, bela menina  que se deslocava com desenvoltura entre a equipe. Foram todos, a pé, para a Pousada do Sossego onde se instalaram. A cidade estava em festa. Ficamos defronte a pousada e era o maior orgulho para nós, conversar com algum lutador. Eu tinha uns 12 / 13 anos na época e consegui um autógrafo do lutador principal (aquele que veio com a irmã), autógrafo este guardei com muito zelo e carinho como um troféu.
 
Pois bem, chega 18:00 horas e lá vou eu pro Ginásio de Esportes. Tinha gente nos telhados, nas árvores, nos postes além daqueles que compraram seus ingressos. Barulho, torcida e frenesi total. Pipoca, cerveja, groselha em copo, tubaína Joaninha, misto frio, bolinho de carne aos montes.
 
Noite bonita, lua alta, ambiente perfeito.
 
Seriam 5 lutas de 8 rounds; cada round 3 min x 1. Era chegada a hora.
 
Na primeira luta, entre Pesos Leve, houve empate. Na segunda luta nosso lutador venceu por KO no quarto round levando a plateia à loucura. Na terceira luta, o lutador paulista deu um cacete em nosso representante que deu dó (soubemos depois que anos mais tarde o vencedor chegou á lutar até no exterior).
 
Tinha então chegado o início do Gran Finale com a luta entre os Pesos Meio Médio, Koréia x Marcos de Tal . Um tal Sr. Clóvis anunciou a luta dentro do ringue e a plateia foi á loucura. Koréia adentrou o tablado tal qual um Deus grego, acenando pro público (feminino) e agradecendo o incentivo. Do outro lado, Marcos (acho que era esse o nome da fera) quieto e concentrado. Instruções dadas, apresentações feitas, iniciou-se a luta.
 
Coréia dançava lépido e soltava jabs longos, Marcos se defendia e contra atacava quando possível. A plateia feminina gritava freneticamente e Coréia despejava potência sobre Marcos. No quarto round, Marcos acertou o queixo de Koréia e ele balançou, agarrou-se á Marcos e recuperou-se. A plateia calou – se. Ouvia –se o voo de pernilongos. Ufa, quase Coréia beija a lona. Mas foi uma boa luta e no final: Empate.
 
 Chega então o Gran Finalle, Nêgo Coisa Ruim x Elias. A irmã de Elias postou-se atrás dos Juízes (notei isso). Nêgo bufava e batia uma luva na outra, nervosamente. Elias não tinha músculos mas possuía uma boa técnica, esquiva, postura, entrava e saia com rapidez; Nêgo batia com força (nos ombros e braços de Elias); O público, á cada estouro dos golpes de Nêgo, quase caia das arquibancadas. Elias ia levando a luta, na manha.
 
Do quinto ao oitavo round, Elias deu uma aula de box, talvez sentindo Nêgo já cansado, bateu, jabeou, dançou só não nocauteando Nêgo porque ele não era um pegador e sim boxeador. Por duas ou três vezes, Nêgo foi as cordas quase caindo. No final, computadas as papeletas...Empate. O rosto de Nêgo ficou vermelho de tanta porrada que recebeu e o rosto de Elias limpo, sem uma marca sequer, prova maior de que Nêgo só bateu nos braços e ombro do Elias.
 
Sinceramente achei que Elias ganhou a luta, mas …estávamos em Itapeva e lá era terra de Nêgo Coisa Ruim.
 
No domingo cedo, voltaram todos os visitantes prá SP e os comentários na cidade rolaram pela semana inteira.
 
Foi um grande sábado interiorano.
 

Fred Assoni

Leia outras matérias desta seção
 » Estórinha verídica
 » O peladão do condomínio
 » Lampião
 » A conquista
 » Fomos arrasados
 » O Maxuxo
 » O silencio
 » O baile
 » O Mosco e a Mosca
 » Viagem a Marte
 » Noite da Esfiha
 » Gersinho perdeu para ele mesmo!
 » Tio Nino
 » Os três Mosqueteiros
 » Erudam-se!!
 » Relato de uma vida vazia
 » A velha carabina
 » Vejo , claramente , a luz apagar-se no fim do túnel
 » Carlos Zéfiro
 » A cueca atômica

Voltar