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30/08/2020
Tributar Livros e Jornais

Mais uma bravata do Guedes

“É uma bravata”, afirma o professor Heleno Torres, do Departamento de Direito Econômico e Financeiro da Faculdade de Direito da USP, citando o mesmo artigo 150 da Constituição mencionado por Marisa Midori e Plinio Martins. Segundo ele, não há nenhuma possibilidade de tributação de livros na forma pretendida pelo ministro Paulo Guedes. “O que esse artigo protege são direitos de liberdades individuais, ou seja, direitos de expressão, liberdade de acesso a fontes de informação, à educação e à cultura”, informa. O professor também cita o artigo 60, parágrafo quarto, inciso quatro, que prescreve que não pode sequer ser proposta emenda à Constituição tendente a abolir os direitos de liberdades individuais. “Quando se cria um imposto sobre livros, na verdade o que se está fazendo é agir contra essas liberdades. São o que chamamos de garantias constitucionais – no caso, a imunidade -, que asseguram a cidadania e o acesso a esses direitos”, lembra Torres.

Segundo ele, o Estado não tem poder para criar, nem por lei nem por emenda à Constituição, nenhum imposto sobre essa matéria. “Além disso, a emenda à Constituição não passa por veto do presidente da República, ou seja, não adianta o presidente querer discutir essa matéria porque ela teria que ser proposta pelo Congresso Nacional, com votação exclusiva”, garante. “Se houvesse alguma possibilidade de aprovar essa tributação, há um controle de constitucionalidade pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado e da Câmara, que certamente barraria essa medida. E, ainda na hipótese de se avançar, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é firme, contundente, ao longo dos mais de 30 anos em que julga essa matéria, para afirmar inclusive a interpretação extensiva desse conceito de livro, incluindo recentemente os livros digitais”, informa Torres, exemplificando que essa regra já foi aplicada a listas telefônicas, álbuns de figurinhas e até manuais de equipamentos, ou seja, tudo aquilo que tem caráter informativo. “Há uma interpretação firme, serena, contínua, nunca abalada, de que não podem incidir impostos sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão”, reafirma o professor. “Por isso eu tomo a afirmação do ministro como uma bravata, uma forma de querer tirar a atenção da população dos verdadeiros temas, das reais prioridades do Brasil.”

O professor Paulo Verano: “Um eventual novo imposto para o livro colocaria dificuldades práticas imensas para os editores”.

Para Marisa Midori, talvez “a intenção seja mesmo o desmonte do setor, um retorno a práticas da década de 70, de produzir apostilas e querer que os alunos entrem no beabá da cartilha e da história oficial”. Para Plinio Martins Filho, se um governo tem preocupações culturais, em vez de aumentar impostos, deve incentivar o mercado. “Mas o que esperar de um governo que não tem lógica?”

Paulo Verano destaca o apoio dado ao livro pelas associações de classe e pela sociedade civil, e lamenta: “O novo imposto seria a reafirmação dessa política atual tacanha que vê o livro, e por extensão a cultura, como inimiga.”

Torres finaliza: “Estou muito tranquilo quanto à não aprovação dessa proposta, que é absurda e merece repulsa imediata da sociedade e da classe política”.

Entidades lançam manifesto Em Defesa do Livro

As entidades representativas do livro no Brasil se mobilizaram e lançaram o manifesto Em Defesa do Livro, no qual consideram urgentes e necessárias algumas ponderações, entre elas, a primeira e principal: “A Constituição Democrática de 1946 consagrou no País o regime de isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas. Inspirada na luta de intelectuais, editores e escritores, a emenda constitucional foi apresentada pelo autor brasileiro de maior prestígio internacional à época, Jorge Amado. Por um lado, a isenção visava a tornar o papel acessível às mais diferentes vozes no debate das questões nacionais, garantindo o suporte material para a livre manifestação de opiniões; por outro, barateava o produto final, permitindo que o livro e a imprensa pudessem chegar às camadas mais amplas da população, em um País onde o analfabetismo era, infelizmente, a regra e não a exceção. A mudança constitucional possibilitou a criação e o desenvolvimento das bibliotecas públicas no País, beneficiando as pessoas de menor poder aquisitivo e permitindo que o mercado editorial passasse a ter condições de publicar obras de alto valor intelectual e pedagógico, muitas delas sem apelo comercial, a custos compatíveis com o poder aquisitivo do leitor médio. Não há dúvidas de que a popularização do livro teve, e ainda tem, papel fundamental no aumento da educação do brasileiro.

Ainda no manifesto, as entidades relembram: “Queimado em praça pública sempre que a intolerância triunfa, o livro resistiu aos séculos e atravessou as crises tendo a sua significação para a humanidade renovada e fortalecida. O amor ao livro renasceu na pandemia. É fácil calcular o quanto o governo poderá arrecadar com a nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), proposta em regime de urgência ao Congresso. Muito mais difícil é avaliar o que uma nação perde ao taxar o bem comum da formação intelectual de suas cidadãs e cidadãos”. E terminam: “Ainda não se descobriu nada mais barato, ágil e eficiente do que a palavra impressa – em papel ou telas digitais – para se divulgar as ideias, para se contar a história da humanidade, para multiplicar as vozes da diversidade, para denunciar as injustiças, para se prever as mudanças futuras e para ser o complemento ideal da liberdade de expressão”.

Assinam esse manifesto: Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), Associação Brasileira de Difusão do Livro (ABDL), Associação Brasileira das Editoras Universitárias (Abeu), Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros), Associação Nacional de Livrarias (ANL), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Liga Brasileira de Editoras (Libre) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).


Jornal da USP

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