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25/08/2008
Jovens diabéticos fazem jejum de insulina com intenção de emagrecer

O nome é novo, mas o fenômeno, nem tanto: estudada desde a década de 1980, apesar de ainda ser pouco conhecida até por especialistas, a diabulimia é perigosamente popular entre adolescentes, principalmente entre as meninas. O termo, misto de diabetes com bulimia, foi criado em 2005 para nomear um transtorno alimentar específico de diabéticos, quase sempre do tipo 1, que precisam tomar insulina.
Assim como há quem deixe de comer ou vomite após se alimentar compulsivamente, quem tem diabulimia manipula as doses de insulina prescritas pelo médico, deixando de tomar o hormônio ou tomando-o em menor quantidade, para emagrecer.
A insulina é responsável por promover a entrada da glicose proveniente da alimentação nas células, fornecendo-lhes energia. "Quando não há insulina suficiente, esse açúcar que vem da digestão dos alimentos não consegue entrar nas células e fica alto no sangue, sendo, depois, eliminado pela urina. Por falta de insulina, o organismo começa a queimar suas reservas de glicose que estão armazenadas na forma de gordura e proteínas, o que leva à perda de peso", explica a endocrinologista Cláudia Pieper, coordenadora do departamento de transtornos alimentares da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Ela diz que muitos pacientes que têm esse hábito também recorrem a outros métodos danosos para emagrecer, como vomitar ou tomar laxantes.
De fato, os distúrbios alimentares em geral são duas vezes mais comuns em adolescentes do sexo feminino com diabetes tipo 1 do que entre as não-diabéticas. Uma pesquisa publicada em 2006 mostrou que o índice de bulimia nas diabéticas de 16 a 22 anos é de 34% e, nas de 12 a 18 anos, de 14%. Segundo esse estudo, o problema já atinge meninas de nove anos -1% das garotas de 9 a 13 tinham o transtorno.

Morte
Brincar com as doses de insulina pode trazer problemas à saúde e até ser fatal. Um estudo recente mostrou que o risco de morte em diabéticas com diabulimia é três vezes maior comparado àquelas que não pulam doses do hormônio.
Com o diabetes mal controlado, aumenta a chance de cetoacidose diabética, problema que pode levar ao coma ou à morte. Também surgem mais complicações como retinopatia (lesões na retina que podem causar cegueira), nefropatia (lesões nos rins) e neuropatia (lesões nos nervos).
"Esses problemas costumam aparecer de seis a oito anos depois de o diabetes ficar mal controlado, mas, nos pacientes com diabulimia, chegam mais cedo", alerta Cláudia Pieper.
A advogada Maria Clara Siqueira Castro, 28, conta que "quase morreu algumas vezes" na adolescência, quando teve diabulimia. "Eu chegava a ficar um mês sem tomar a insulina. Quando estava quase entrando em coma, voltava a tomar por duas semanas", lembra.
No início, a falta de insulina não era de propósito, mas devido à demora no diagnóstico: aos 12 anos, uma pneumonia atacou seu pâncreas, e ela parou de produzir insulina, mas só soube que tinha diabetes aos 14. "Nesses dois anos, eu comia em excesso, mas, como não tinha a insulina, emagrecia."
A introdução das doses do hormônio, porém, não foi acompanhada de uma reeducação alimentar. Resultado: ela engordou 17 kg em um mês. "Fiquei péssima. Tinha 14 anos, idade em que o corpo é um sinal de aceitação. Decidi parar de tomar a insulina e não contei para ninguém", diz.
Fez isso dos 15 aos 20 anos, quando teve o diagnóstico de transtorno alimentar. Como conseqüência de tanto tempo com o diabetes descontrolado, ela teve retinopatia e catarata.
Após cinco anos se tratando, Maria Clara melhorou e, em 2006, criou uma ONG voltada para pessoas com transtornos alimentares, a Astral BR. "Vi que no Brasil faltavam iniciativas desse tipo. Corria tudo muito em segredo, as pessoas ficavam sozinhas. Ninguém sabe onde buscar tratamento."

Tratamento
Segundo os especialistas, no caso de qualquer transtorno alimentar, é fundamental o tratamento com uma equipe multidisciplinar. "Devem estar envolvidos profissionais de diversas áreas, como endocrinologista, psicólogo, nutricionista, psiquiatra, que tenham experiência com distúrbios alimentares", diz o endocrinologista Walmir Coutinho, do grupo de obesidade e transtornos alimentares do Iede (Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia), do Rio de Janeiro.
A psicóloga Simone Freitas, coordenadora do setor de transtornos alimentares do serviço de psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, diz que o distúrbio alimentar é um transtorno psiquiátrico para o qual contribuem fatores biológicos, psicológicos, sociais e familiares.
"Além do padrão estético social, que reforça o ideal de magreza, questões como baixa auto-estima, perfeccionismo e pais que exigem muito dos filhos são alguns fatores que podem contribuir para desencadear e manter o distúrbio. Temos que tratar todos esses pontos de vista."
Ela diz que o fato de os diabéticos tipo 1 serem submetidos a restrições alimentares desde muito novos pode trazer à tona sentimentos de culpa e preocupação com o corpo, que podem contribuir para desenvolver um distúrbio alimentar.
Cláudia Pieper acrescenta que é fundamental o acompanhamento da família. "As maiores desistências e falhas no tratamento ocorrem por falta de aderência da família, que acaba depositando no profissional de saúde toda a responsabilidade pela doença. Já é difícil assumir um diabetes, imagina quando ele vem acompanhado de um transtorno alimentar." A endocrinologista diz que o tratamento é um trabalho árduo, que dura de cinco a seis anos.
Segundo Pieper, pais e profissionais de saúde devem ficar atentos ao comportamento dos adolescentes e jovens adultos diabéticos, pois alguns sinais podem ajudar a identificar a diabulimia. "Se o paciente se recusa a ser pesado na consulta, quer sempre negociar a dose de insulina ou se preocupa demais com dietas ou exercícios, é preciso ficar alerta. Da mesma forma, quando o médico já fez de tudo --ajustes na alimentação, nas doses de insulina-- e, mesmo assim, o nível de glicose no sangue se mantém constantemente alto, pode ser um sinal de que é preciso investigar."


Folha de S.Paulo

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