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21/10/2011
Victoza: as controvérsias

Noticias

Medicamento para o Diabetes tipo 2
19/10/2011 - Fonte: Blog da Obesidade  

A matéria de capa da revista VEJA anunciou que havia uma nova medicação para perder peso que “parecia até milagre”. Este novo remédio seria “mais potente que sibutramina” e “quase sem efeitos colaterais”.

Muitos colegas endocrinologistas se revoltaram com o texto, considerando-o tendencioso e sensacionalista. A própria divulgação médica do Victoza (liraglutida) não havia sido tão audaciosa.

O Victoza é tão bom mesmo? Quem deve ou pode usá-lo? Para responder a estas perguntas, precisamos dar algumas voltas.

O desenvolvimento do Victoza foi precedido pelo reconhecimento décadas atrás da importância do intestino como órgão endócrino. Além de conter uma quantidade impressionante de células nervosas, o sistema digestivo também é capaz de, em contato com o alimento, produzir substâncias que atuam sobre inúmeros órgãos e sistemas. Destas observações surgiu o conceito do “efeito incretina”.

Qual o princípio do efeito incretina? A administração endovenosa de glicose provoca uma liberação de insulina 50% inferior àquela estimulada por uma ingestão de glicose que leve ao mesmo perfil de glicemia. Ou seja, o contato da glicose (e de outros nutrientes) com o intestino promove a liberação de hormônios (incretinas) que incrementam a produção de insulina, sendo responsáveis por metade do volume de sua secreção após a alimentação.

O efeito incretina - a administração oral de glicose provoca maior estímulo à produção de insulina

Mais estudos demonstrariam que a principal incretina seria o GLP-1, produzido nas células distais do intestino delgado e no cólon. Embora alguns diabéticos tenham concentrações de GLP-1 ainda preservadas, sua ação encontra-se seriamente diminuída.

O que poderia representar uma enorme frustração transformou-se em esperança quando novas pesquisas deixaram claro que, quando expostos a concentrações elevadas (acima daquelas vistas em indivíduos normais) de GLP-1, os diabéticos voltavam a produzir maior quantidade de insulina, restaurando em grande parte a fisiologia normal do controle glicêmico. O mesmo resultado foi obtido com substâncias que, embora diferentes do GLP-1, fossem capazes de estimular seu receptor. Um exemplo destas substâncias é o exenatide, disponível no mercado há alguns anos, mas de aplicação limitada por necessidade de duas injeções por dia.

O Victoza nada mais é do que uma tentativa de copiar um hormônio natural do organismo, o GLP-1. A diferença de 3% entre os dois tem um motivo: o GLP-1 humano é degradado em poucos minutos, enquanto a liraglutida dura 24h, permitindo dose única diária.

Liraglutida: as modificações em relação ao GLP-1 natural se encontram em verde

O que há de especial no Victoza? Há razão de tanto estardalhaço?

Não há dúvidas de que o Victoza representa um enorme progresso no tratamento do diabetes. O medicamento melhora a função das células-beta, aumentando a produção de insulina apenas quando a glicemia está elevada.

Além disso, é capaz de inibir o apetite, retardar o esvaziamento do estômago, reduzir muito discretamente a pressão arterial e o nível de triglicérides após a refeição. O efeito sobre o esvaziamento do estômago é uma das explicações para a ocorrência de náuseas no início do tratamento. O Victoza reduz o colesterol total e o LDL (o mau colesterol); também reduz a PCR (proteína C reativa), um marcador de risco cardiovascular.

Em comparação com diferentes antidiabéticos (inclusive o exenatide), a liraglutida se mostrou mais potente em reduzir a glicemia, com incidência muito baixa de hipoglicemia. Sua semelhança com o GLP-1 natural faz com que menos de 10% dos pacientes desenvolvam anticorpos contra o medicamento. O exenatide, por sua vez, estimula a formação de anticorpos em mais de 40% dos pacientes, sendo que, quanto maior a concentração destes anticorpos, menor a eficácia do medicamento.


Victoza proporciona maior redução da glicemia do que a glimepirida, um potente medicamento para diabetes

Em ratos, a liraglutida induziu lesões pré-cancerosas e até tumores medulares de tireóide. Este efeito é atribuído à maior expressão do receptor do GLP-1 nas células C tireoidianas de roedores, em comparação às de primatas e humanos. Quando administrada a macacos em doses 60 vezes maiores às habituais, durante 20 meses, não produziu qualquer alteração. Nos 2.700 pacientes que receberam Victoza em ensaios clínicos, nenhum desenvolveu carcinoma medular de tireóide.

Não para por aí. A administração do Victoza após infarto melhora a função cardíaca (sim, há receptores de GLP-1 no miocárdio). Diante destes dados, pesquisadores canadenses testaram iniciar liraglutida (em doses muito maiores às recomendadas, diga-se de passagem) sete dias antes de induzir infarto em camundongos. Resultado: menor área infartada e maior sobrevida. O benefício foi inclusive superior às cobaias que receberam metformina e alcançaram igual controle glicêmico e peso. O Victoza estimulou a expressão de genes protetores para o coração. Há estudos em andamento avaliando o potencial benefício de liraglutida quando administrada agudamente na ocorrência do infarto.

A empolgação diminui quando o assunto é perda de peso. Embora maravilhoso para o diabetes, a potência da liraglutida como emagrecedor é moderada, na melhor das hipóteses. Quando administrada na dose de 3mg por dia (lembrando que o custo ultrapassa 300 reais/mês para a dose de 1,2mg!) durante um ano a indivíduos obesos, o Victoza levou a uma perda adicional de 5,8kg quando comparado à dieta mais atividade física. Nesta dose, houve redução de 15% da massa gorda após cinco meses; um quarto dos pacientes, entretanto, não alcançou a perda de 5% do peso. Quando usado na dose de 1,2mg durante 20 semanas, a perda de peso foi apenas 2kg maior do que à alcançada com dieta e exercício. A pressão arterial caiu 12 mmHg, um dado tranquilizador diante do trauma gerado pela sibutramina e seu potencial de risco cardiovascular para alguns pacientes.


Efeito da liraglutida para perda de peso

Em relação à obesidade, o Victoza é um passo tímido diante do que está por vir. Encontram-se em fase de testes em roedores moléculas que são desenvolvidas como uma quimera entre diferentes hormônios. Há combinações do GLP-1 com glucagon, GIP, hormônios de tireóide e até hormônios femininos. Os resultados são impressionantes.

Há relatos de perda de peso média superior a 20% do peso corporal total em pouco tempo, com segurança, mediante uma combinação de menor apetite e maior metabolismo. Um dos líderes destas pesquisas foi premiado no último Congresso Americano de Diabetes, em San Diego

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Efeito do co-agonista GLP-1-glucagon em roedores: observem que a perda de 30% do peso corpóreo se dá em menos de um mês

Diante destes avanços emergentes, é seguro afirmar que as previsões de que em 2050 o mundo teria uma prevalência de obesidade de 50% estão equivocadas, na medida em que ignoram os avanços farmacológicos. Também podemos especular que os indivíduos mais jovens da atual geração talvez testemunhem o desaparecimento ou grande redução da realização de cirurgias bariátricas, bem como de complicações do diabetes tipo 2. As mesmas previsões valem para a obesidade mórbida, que deve se tornar uma curiosidade histórica tanto quanto o escorbuto ou as cirurgias para tratamento de gastrite.

Fonte : Dr. Eduardo Quadros Araújo
Salvador, BA, Brazil
Graduado em Medicina pela UNICAMP. Residência em Clínica Médica e Endocrinologia no HC-FMUSP-SP. Título de Especialista em Endocrinologia e Metabologia pela SBEM-Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Consultório: 71-2108-4778 -
http://blogdaobesidade.blogspot.com


 



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