17/10/2018
Diário de uma jovem Mãe

Querido ex- futuro pai (teria sido muito bom tê lo como pai. Embora eu ame o meu, infelizmente ele nao está aqui para me ouvir!.

Primeiro obrigada pelo carinho de escrever e querer ajudar. Eu fiquei muito emocionada com sua mensagem. Acho que voce definiu bem "depressão é uma doença da alma". Infortunadamente meu cérebro há muitos anos nao produz serotonina, é realmente química minha depressão.

Sem embargo, eu as vezes caio nela e fico atolada por um tempo, até que enxergue uma luz ou, sei lá, que alguma palavra me faça voltar a realidade.

Está última talvez foi a mais horrível que tive. Estive tres semanas sem sair da cama. Uma vontade grande de acabar com minha vida e me questionando muito sobre tudo. Felizmente minha médica conseguiu com muito esforço acertar os remédios e pouco a pouco eu comecei a engatinhar. O que me levou a isto?

Então, eu creio que a "força da Daniele" chegou no limite e derrubou tudo em minha mente e coração. Desde que casei, deixei para trás minha vida profissional que era nada menos que ser juíza.

Foi minha opção, claro! Nada objetivo mas a vida me levou a outros caminhos incompatíveis com este sonho.

Tive meus filhos e aproveitei (aproveito) a maternidade de maneira intensa e plena. Amo ser mãe.

Mas a verdade é que me deparei comigo mesma aos 43 anos: uma cigana perdida.Meus filhos estao crescendo e creio que perceber que o tempo passou foi uma porrada para mim. Estúpido isto, né?.

Sim, muito.

Sai do Brasil há um bom tempo e fui contra toda minha essência de querer estar perto dos que amo. Mas este era meu caminho com minha família ( parte dela).Viver mudando trouxe a tona uma mulher que eu nao conhecia: eu mesma. E assim, fui levando.

Por conta de muitas viagens de meu marido eu praticamente criei sozinha as crianças até o ano passado. Tive que aprender novos idiomas, novas culturas, procurar médico, supermercado, enfim saia do zero a cada mudança que creio que já sao umas 20 (contando dentro e fora do Brasil).

Passei por momentos muito delicados, perder tudo e só ter para comer pela ajuda de minha mãe. Tenho noção de que sou uma privilegiada por ter os filhos que tenho, dar uma educação boa a eles, ter um teto para morar, comida e todos com saúde. Sempre agradeço aos anjos e ao Universo por isto.

Eu cansei. Cansei a um ponto que deixei de acreditar em mim. E este foi meu grande erro. Foram tantos começos, recomeços e eu sempre na sombra, sempre fazendo o trabalho que ninguém vê...dizendo "tudo bem, eu posso". Mas e "eu"?

O espelho deixou claro que eu preciso correr e estou sem forças.

Esta nao é a verdadeira Daniele, eu sei. Mas eu também sei que nao sei onde estou. A vida nestes anos foi muito solitária , o que me ajudou muito em alguns aspectos mas sem duvidas me fechou em uma pequena caixa.

Já nao suporto estar sozinha como sempre suportei. Já nao tenho vontade de novas amizades, até por que nao acredito em "novas amizades", já nao sei se um dia serei um pouco plena no que tanto quero : escrever.

Nao confio mais em mim, sabe?.Eu tentei tantas vezes acertar minha vida, e deu errado...que hoje acho que vou limpar casa o resto da vida. Meu padrão de exigência comigo mesma é altíssimo. Sou crítica, dura e meu próprio carrasco.

Estive um tempo separada do meu marido....e passei por uma situação horrível que até hoje me perturba e talvez seja o campo secreto que tao dificil de olhar e seguir em frente. Sei que parece tolice o passado assombrando...mas acontece....e embora eu esteja a mais de um ano lutando contra isto, eu tenho momentos de desespero quando lembro o que vivi.

Me sinto muito responsável pela vida de todos e minha preocupação constante me faz estar em qualquer lugar menos aqui e agora. Ou seja, trago uma tremenda frustraçao por nao ter conseguido objetivos profissionais sólidos e um "trauma" ( não é esta palavra mas nao encontro outra) que juntos tornaram meus dias fúnebres.

Eu sei que nao sou o centro do mundo, e fico aliviada por isto. Alias me esconder é o que mais gosto de fazer. Tomei várias boladas nas costas nos últimos tempos. Olho quanto já caminhei e por vezes não entendo por que esta dor atravessa meu peito.

É surreal, algo que requer mais que força de vontade. Nao tem lógica e me sinto uma idiota por isto. Já entendi que a parte química eu posso tratar, e estou fazendo ....mas recuperar a vontade de fazer algo por mim...é o mais dificil.

Antes que isto vire um livro....escrevi poucas coisas da caixinha de Daniele. Parece tudo esparso e volante....mas me sinto assim. Eu agradeço de todo coraçao este gesto de enorme humanidade seu. Poucas pessoas tentam entender ou ajudar alguém num momento destes.

O que eu quero: escrever, escrever, escrever. Por que não faço? Eu faço mas sempre acho que esta horrível. Enfim, estou de mal comigo mesma.

Obs....eu adorei a foto de minha Mãe no jornal. Achei o máximo e gostaria muito de um dia vê-lo pessoalmente. Voce é um mito para mim. Alguém de quem escuto falar há muito tempo.

Bom, eu acho mesmo que voce não foi meu pai por um erro de percurso .Agradeço muito o que faz por minha Mãe. A amizade de vocês. Acho muito bonito um sentimento assim ...de tanto tempo atrás ...nao ter morrido no esquecimento. Ela sempre contou sobre você com carinho. Obrigada por ser quem voce É!

Daniele Cassia

 

 

 



Leia outras matérias desta seção
 » Fim de tarde apocaliptico ou não ?
 » 70 borboletas...
 » Textinho de domingo
 » Flores amarelas
 » TAPACHULA - 3ª parte
 » Poesia do eu
 » Finalmente 26 de dezembro!
 » Ainda em Tapachula 
 » Mudando para o México, destino: Tapachula
 » O que eu fiz até agora ?
 » Onde mora meu Pai ?
 » Cagando no racismo
 » A propósito da Bebel
 » À minha Mãe
 » Paranoias momentaneas
 » Texas: o lugar das armas 
 » A latência
 » Dia Internacional da Mulher?
 » Eu acendi uma vela na mesa da sala de jantar.
 » Sapos

Voltar