14/06/2023
70 borboletas...

70 borboletas

Dia 14 de junho é aniversário da colunista Selma. 

Por coincidência ela é minha mãe!

Deixo aqui registrado o dia com uma narrativa especial.

Mae, 

Lembra da árvore de amora que eu, Denis e as crianças plantamos na lateral de casa? Justamente a que com frequência conversava enquanto tirava fotos dos detalhes de seu caule, do formato de suas largas veias, das minúsculas bolinhas roxas que diariamente surgiam?

A mesma que pela primeira vez este ano brotaram dos galhos, folhas e frutos?

Então, faz um mês que ela amanheceu envolta numa espécie de nuvem de teias. 

Quando vi a cena de horror, uma sensação de impotência tomou conta de mim.

Por instantes permaneci absorta, sem palavras e constrangida por não tê-la socorrido a tempo.

Não entendia como havia acontecido uma devastação tão súbita. 

Revi meus cuidados ou melhor, a eventual falta de algum cuidado com ela. 

Passei  dias espiando-a à distância porque faltava coragem de me aproximar o suficiente e encarar o que havia naqueles "ninhos".

Que tristeza! Ela não se movia, nem sussurrava suas aventuras nos fins de tarde. 

“- É o ciclo da vida, pense que as folhas tão bem cuidadas serviram de alimento” dizia Denis.

Bom mãe, você já deve ter imaginado o que estava ali!

Eram diminutas lagartas, aparentemente frágeis com impressionante flexibilidade que se moviam equilibrando seus corpos pela miscelânea dos fios e crisálidas! 

Tenho certeza que não foi por coincidência que desde então, nas manhãs quando sentava no meu jardim, uma ou algumas borboletas rodeavam as flores coloridas (que também semeei), contornando as esquinas de meu pequeno paraíso. 

Parecia que adivinhavam a hora que estaria por ali, ou talvez sentissem o cheiro de café que tomo enquanto escrevo para saber de você.

Semana passada no meu escritório, numa lousa branca, embaixo de alguns papéis presos com anotações, encontrei  escrito: aniversário mamãe 2023, “As 70 borboletas”.

Evidentemente não lembrava. Mas imediatamente me reportei aos flagelos de D.Amora!

Indaguei a mim mesma sobre por que algo tão lindo precisava fazer estágio de lagarta.

É  aqui que imaginário, realidade, inconsciente se misturaram e veio a luz o talento da vida em acionar recordações através de sinais, símbolos, cheiros, formas etc.

Todas as vezes que vi borboletas, pelo menos nos últimos 20 anos, sua imagem avançou em direção a meus sentidos mais finos, aguçando memórias, ensinamentos, entendimentos, valores que me ensinou.

 

As lagartas, as borboletas, minha mãe!? 

Ela é uma mulher-borboleta! 

Entendi o que você sempre disse sobre aprender e reaprender quantas vezes a vida nos pedir, de uma maneira ou outra.

Acho que finalmente compreendi que para sermos o tilintar das borboletas, precisamos ser primeiro lagartas.

A distância de nossas vidas cotidianas me permitiu um encontro marcado com sua plenitude enquanto observava a perplexidade do existir. 

Definitivamente o ciclo da vida é infinitamente mais belo do que compõe o conceito de perfeição em pensamentos limitados.

Você estava certa, nos detalhes minimalistas encontra-se o profundo significado do viver.

A harmoniosa metamorfose, que você menciona, é o resultado de tantos “nasceres” e “renasceres” possíveis e imprescindíveis para o seguinte estágio de ser e estar.

Daqui de longe pude ver o nascer das suas 70 borboletas.

E tive os mais belos dias de primavera imersos no contraste da existência.

 

Recados e presentes!

 

Por favor, sente no banquinho de sua varanda mágica, abra o link da música que mandei pelo Whatsapp hoje de madrugada. 

Se por  acaso já apertou algum botão errado, basta procurar por : “Et si tu n’existais pas, de Joe Dassin”. 

Feche os olhos e respire profundamente.

Quando sentir uma brisa gélida revolver seus cabelos é porque elas chegaram.

Suas 70 borboletas, alvoreando cores cintilantes.

Você duvidou que elas voariam tão longe! 

Mas elas saíram daqui grunhindo centenas de movimentos por minuto, num tênue resplandecer! 

 

Antes que elas partissem do meu “jardin” (em bom francês) para o seu, incumbi-as de entregar-lhe este saquinho branco de lese com algumas encomendas carinhosamente feitas para você.

As folhas dobradas são “cartas faladas” que transcrevi.

O cachepô com suas flores favoritas, são do jardim da Tia Zizi que outro dia me visitou e confiou-me de fazê-las chegar a você.

O pote de vidro com rolha de camurça é doce de jaca que a tia Nair preparou.

O lenço bordado com suas iniciais foi fabricado pela Vó Cida e ela insistiu que mencionasse que o lavou na “bica das lavandas”, perto da Capela de Nossa Senhora de Fátima.

A foto de Arlete com Ciro chegou ontem a noite, poucos minutos depois que a lua apontou no céu, com uma  nota avisando que só você entenderia o recado. 

O jogo de mesa de crochê com borboletas é presente da Vó Nena. 

Tão bonitinha…disse que você sempre foi uma filha para ela e que você estava certa - ela foi recebida por muitas crianças quando chegou na casa nova. 

Silvia, Rose e algumas outras amigas suas que não conheço enviaram o livreto em branco e pediram que não desista de você, nem de seguir escrevendo sua história. Ah! Quando você caminha na praia elas a acompanham frequentemente. 

Tio Celso e tio Hamilton com chapéus de aniversário feitos de papel cartão e confetes coloridos, disseram que você ainda brincara muitos carnavais por aqui. Mas que na hora certa estarão juntos novamente. 

Ro ainda não pode sair de seu resguardo mas enviou por seu tio a rosa branca enrolada no papel de seda.

Muita gente deixou mensagens gravadas para eu transladar , mas não consegui ouvir todas no tempo que me foi dado para registrá-las.  

 

Hoje queremos sair do clichê dos aniversários e agradecer.

Agradecer sua dedicação, amor,  e valentia nestes anos. 

Agradecer a segurança de suas palavras, a mão firme em nossos ombros, a companhia quieta nos momentos complicados.

 

Para você mulher - borboleta:

que sempre recusou a mediocridade, 

para quem o desistir nunca foi opção, 

que fez das mazelas  lições valiosas,

que preencheu os espaços vazios com pedaços de seu coração,

que levantou-se diante do medo, deliberada a enfrentá-lo,

que se apaixonou tantas vezes quanto seu querer permitiu…nosso incondicional agradecimento.

 

`A você mulher-borboleta para quem não houve pesos suficientemente capazes de asfixiar seu ímpeto de transformar-se , nem ataduras que imobilizassem sua liberdade de ser…nossa admiração.

 

Para você , que não permitiu ser amordaçada pelas regras de uma sociedade preconceituosa e hipócrita, e ainda que silenciada, não se submeteu aos impropérios e bordou em pedaços de trapos sua verdade…nosso respeito.

 

`A você mulher-borboleta que nos explicou incessantemente o significado de resiliência nas inúmeras ocasiões que entre a vida e a morte, nos limbos de incertidumbre, (enquanto mascava a seiva verde e amarga), todavia meio dormida ou desmaiada, despertou com ganas de voar, de provar o sabor do ar…obrigada.

 

Estas 70 borboletas são parte de mais um capítulo das histórias de seus voos.

Transformando sua vida, sozinha e suspensa no ar, nos fez acreditar nos pequenos milagres que podemos realizar, tão pronto tenhamos ousadia de acreditar.

 

Foi árduo pensar que não estarei aí com você mais um ano.

Mas este texto junto com as lindas mensagens que recebi,  acalmaram meu coração e espero que acalme o seu também. 

Ansiosamente desejo que no murmulho enrouquecido destas 70 borboletas você escute a voz de cada um que se fez presente mesmo inegavelmente ausente.

 

Com saudade infinita e inquieta pela vontade de sentir seu rosto delicado, me despeço por todos.

 

Feliz aniversario!

 

Daniele de Cassia Rotundo



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