08/02/2006
Memória Bandida

Em todos os nossos presentes nós sempre estamos no nosso passado. Quando estamos reunidos com outros, quase tudo do que conversamos já é passado, e tão habituados com isso, não percebemos que o nosso viver é assim. O passado nos “amarra” a ele e nos impede sermos conforme são os nossos presentes. Nossos passados existiram em nossos antigos presentes subseqüentes, ininterruptos, porém, neste presente de agora como nos subseqüentes presentes futuros, todo o passado somente é e está na memória. Indisciplinada, nossa memória ao invés de ser nossa empregada, atua como se fosse nossa patroa. Ela tem um poder muito forte para interferir no nosso presente para nos “puxar” para o passado que deixou de ser existente e nem sempre serve para o nosso presente. A memória é o registro de nossas experiências e elas sempre se transferem para os nossos presentes para serem confrontadas com experiências outras correlatas, quando, nos auxilia a evitar enganos do passado e mesmo não repeti-los se de novo se apresentarem.
Entretanto, quando demoramos rememorando um fato passado, ele torna inexistente o nosso presente e nos torna distraídos de nós mesmos. Muitos são viciados em seus passados, eles sendo suas paixões. Alegres ou tristes, sempre estão a rememorá-los.
Como nada possuem para viverem em seus presentes, ficam na dependência de outros por perto para se lastimarem ou se vangloriarem de seus passados. Nessa circunstância, alguns que nem querem reviver seus passados, são obrigados a se reviverem nos passados dos outros e se lhes é desagradável, educadamente passam a evitá-los. Nem sempre, mas, os viciados em memória são os mais velhos e neles encontramos seus despreparos para a velhice quando percebemos seus cérebros só sendo passado perdido no presente.

Sempre sermos subordinados da memória tem a ver com a falta de controle do pensamento. Podemos escolher os pensamentos que a memória nos transmite, escolher aqueles úteis ou mesmo nenhum. Com o passar do tempo e ela “sentindo-se rejeitada”, diminui seu poder sobre nós e nós poderemos se situar mais no nosso presente.
Sempre “se estando no presente” estamos mais receptivos para as atualidades e não nos sentiremos ultrapassados. Até podemos perceber que o nosso passado não mais se “encaixa” neste cotidiano e evitamos mencioná-lo para outros. Pois, incessante, a vida é uma continuidade de novos conhecimentos, sempre os deixando para trás com a vinda de outros. Só o ser humano como num “parar a vida” detém conhecimentos em si e às vezes utiliza-se só dos mesmos, enquanto outros utilizam conhecimentos ou conceitos mais atuais. Essa diferença entre seres humanos ocasiona o desencontro entre eles. Apenas se suportam pelo dever, obrigação moral, “amor”, compaixão e consideração.

Muitos, esquecendo-se do dever de proteger suas integridades, associam-se a outros para ouvirem histórias milenares que sobrecarregam suas memórias com fatos a serem imitados, impossibilitados de serem. Tudo perpassa pelo intelecto e nele morre antes de se concretizar como prática no mundo. Mas, a memória detém tudo que ouviu, dando-lhe vida apenas em si mesma para tudo intelectualizar com memórias afins, “conhecedoras” do passado, todo aquele que dispensa o progresso mental até o presente. Contudo, filtrar o que a memória deva arquivar, seria uma proteção contra os devaneios ou desvarios que ela promove quando interfere com o nosso presente, atrapalhando-o de ser mais útil e real como ele se apresenta.


Altino Olímpio

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