19/09/2006
Particularidades Indesejáveis

O início é sempre igual. Um homem e uma mulher se casam e com a vinda dos filhos se constituem em uma família. Como era antigamente, o homem, o pai, mais se ausentava de casa para o trabalho para prover o sustento da família. A mulher, a mãe, tinha mais presença entre os filhos, pois, se mantinha cuidando deles no lar. Sem perceber, em sua maioria, muitas mães se anularam transferindo-se na realização de seus filhos como o motivo maior de suas existências e esquecendo-se de si mesmas. O elo entre filhos e mães sempre foi mais forte que o elo entre eles com os pais. O mais puro amor, o de mãe, sempre fez com que elas considerassem seus filhos propriedades suas. Aquele poeta famoso, Kalil Gibran escreveu: “Teus filhos não são teus filhos, vieram através de ti, mas, não de ti”. Sendo uma mulher simples, que mãe, sinceramente, concordaria com isso?

Uma mãe qualquer, depois de casados seus filhos, pode ir percebendo que aos poucos, seu grau de importância para eles vai diminuindo. As visitas deles para ela vão ficando mais esporádicas e ela quando os visita começa a se sentir mais como visita do que como mãe. Nos lares dos filhos onde a mãe deseja as suas felicidades, é notável neles, maior atenção e dedicação com seus cônjuges e claro, também com os seus filhos. Isso é comum, mas, muitas mães só socialmente aceitam essa situação. Intimamente, se sentem decepcionadas por se sentirem relegadas a um plano inferior e secundário na preferência dos filhos. Os filhos mais preocupados consigo mesmos e com suas famílias, ficam distraídos ou indiferentes sobre as condições em que se encontram suas mães, se elas têm problemas, se são felizes ou não. Uma mãe sentindo-se preterida pode começar a utilizar chantagem emocional para atrair para ela a atenção dos filhos. É quando começam e podem se agravar os conflitos entre mães e filhos, irmãos, maridos e esposas se, os envolvidos não estejam com suas evoluções mentais à altura das soluções dos problemas com que se defrontam. Mas, esse “estar à altura das soluções” quase ninguém possui e nem quer, porque, o “problema materno” sempre é inferior aos problemas ou preocupações “importantes” que cada um tem em sua vida, portanto, melhor é desconsiderar, protelar ou postergá-lo para o tempo resolvê-lo como quiser.

Mas, o passar do tempo pode agravar a situação e ela tornar-se incontrolável. Os envolvidos podem passar a se desentender e aquele problema “insignificante” da mãe relegada ao segundo plano, pode assumir proporções preocupantes maiores que os problemas e preocupações “importantes” que cada um pensa que tem. Muitas mães com idade avançada, infelizmente, só vivem seus presentes focalizados no passado. Suas mesmas histórias aborrecem seus filhos, principalmente quando são histórias desagradáveis e sempre ouvi-las é uma tortura. É um teste de tolerância e nem todos agüentam. O empurra, empurra mãe de um filho para outro é comum nessas situações e assim, começam os desentendimentos entre irmãos se eles não possuem discernimentos para enfrentar a situação sem criar inimizade entre eles. Muitos desses casos de inimizade entre irmãos foram causados pelo tentar “acomodar melhor” a situação de suas mães ou, pelo se esquivar dos comprometimentos com a situação. Cada caso desses existentes, só os envolvidos sabem de suas gravidades e não convém criticá-los antes que tenhamos casos iguais.

Brevemente abordamos um assunto que afeta muitas pessoas nesta época tão conturbada pelo excesso de informações, violência, má política, desemprego e tantas outras preocupações que violentam o nosso cotidiano. De entremeio a tudo isso, quando necessárias às responsabilidades de amparo para os pais, alguns às encaram como sendo interferências em suas vidas envolvidas em seus cotidianos. Conversas entre pais e filhos costumam escassearem porque, muitos filhos consideram ultrapassados os seus pais, que, por sua vez, não se atualizaram e não se atualizam com o modernismo de sempre se modificando. Como mais estivemos focalizando a mãe dentre os problemas que possam ter com os filhos e vice-versa, observamos a ironia que é a vida. Uma mãe que sempre se esforçou para manter seus filhos unidos pode ser a causa da desunião entre eles. Uma mãe que se sacrificou pela felicidade dos filhos pode não ver o mesmo sacrifício deles pela felicidade dela. Uma mãe que sempre se sentiu feliz com os filhos em sua presença pode perceber que sua presença entre eles não os faz tão feliz como ela gostaria.

Este assunto é irritante, pois, muitos vivem nestas circunstâncias e não querem reconhecer em si mesmos esses “desamores” que, são considerados pecados em suas religiões e são entendidos como ingratidão pela sociedade. Porém, as religiões e a sociedade são apenas blá-blá-blá sobre um fardo que alguém possa carregar e só esse alguém pode sentir o seu peso e mais ninguém. Em muitas famílias, felizmente, devido a suas educações, ponderações, ou, mesmo um “auxílio da sorte”, esses problemas de incompatibilidade entre pais, mães e filhos não existem. Nesta época dos grudados na televisão, cada vez mais ficamos sabendo de idosos que ficam esclerosados, com suas memórias misturadas e sendo corpos sem consciência, apenas vegetando por entre seus familiares até sem reconhecê-los. Coitados, perdem suas consciências antes de perderem suas vidas e assim, mesmo em vida já estão mortos para a vida. Talvez seja esse o preço que pagamos por esse “progresso” podre do “nadar, nadar e morrer na praia” deste mundo “civilizado” que espalha tanta tontice para ocupar espaço na nossa cabeça e expulsa dela o que realmente nos interessa para viver bem sem mentalmente nos prejudicar.

Altino Olímpio

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