04/08/2017
Ser limpante ou o trabalho caseiro

Por que trabalho “de casa” não é significante?
Ou melhor dignificante?
Simples. Numa ampla relação de trabalhos conhecidos, é um trabalho invisível.
Entra num lugar sujo, sentirá asco.

Entra num lugar limpo, somente a boa sensação e ponto.
O auto limpante não existe embora a humanidade acredite nisto.
Se você não paga para alguém fazer e você também não faz, a sensação é de que a sujeira faz parte de sua vida de forma integrante ao seu ser. Quase uma simbiose com a alma .

Se você faz, ai você entende porque sua auto estima vai parar na casa do nada .
Ninguém pergunta quem limpa porque está sempre limpo e afinal é " Só passar uma vassoura!” Na suposta e hipócrita crença ordinária “É só lavar uma roupa!” .

E então, a maioria das coisas não precisam ser limpas mas são.
E, ao contrário de um astronauta, meteorologista, dentista e aqui posso elencar a maior parte das profissões, é um trabalho auto destrutivo em todos sentidos .
Sua mão envelhece pelos produtos de limpeza, seu cabelo fica amarrado num rabo mal feito , seu corpo cheira sujeira e sua existência se reduz a invisibilidade.

Auto destrutivo : no instante seguinte tudo começa a sujar novamente .
E suja sua vontade de seguir neste labor sem pós graduação, mestrado ou MBA. Ele não levará você a lugar algum.
Ninguém olhará embaixo do sofá ou perceberá que o box não está manchado de sabonete.
Não notarão que a janela está sem formigas ou aranhas mortas grudadas e que tapete não é habitação de células mortas dos que caminham por ele.

Nem que as pontas babadas de cigarro da festa de ontem a noite desaparecerão como mágica do jardim!
As parafernálias arrumadas na mesa não serão nada mais que parte do cenário do limpo.

E quem está por trás disto ?
Quem está por trás do habitável limpo ?
Alguém que passou uma vassoura .
Só e singelo assim.
E este alguém...ahhhh....este alguém não existe , vive no conto de fadas (das cinderelas amarradas em quartos mofentos e escuros) E, assim não é visto, valorizado ou entendido .

Por que?
Porque o mundo não perde tempo em saborear ou mais adequadamente entender como o dia deste ser limpante existe .
E existe. Existe um cansaço sem dó, um trabalho deliberadamente desumano.Ou seria melhor expressado num mundo inumado, enterrado no breu do que não se vê.

Terminada a limpeza, o ser destinado a isto é apenas uma sombra.
Uma sombra para si mesmo que gastou todas suas energias em algo tão desconhecido no mundo real.
" Não limpa", "Deixa pra lá", A vida é curta!"
HUHU, Sim! Não faz e quem faz? Algum corpo vivo tem que recolher esta sujidade!

Vai para a baleia mais um saquinho na hipótese mais branda de devastação por SUJEIRA?!

Senhores humanos, a quantidade de lixo produzido por cada um dos seres encardidos por natureza que se transforma em problema global assume proporções de morte sem graça e deveras custosa para os contaminados.
“Mas estamos evoluindo!” “Jogo meu lixo (aquele que você ajuda a produzir principalmente na rua) nos recicláveis, inorgânicos e blábláblá!”!

Sério? Palmas!

Já tem quem pague pelo seu lixo numa tentativa desgovernada de conter o genocídio fétido ou talvez nos transformar em loucos produtores de lixo.
Mas seguimos no ser limpante, afinal um não – alguém recolhe estes enormes amontoados de dejetos.

Aquela craca gosmenta da gordura impregnada no fogão, seja ele elétrico, a gás, a vapor, sopro , com placas de alumínio, vidro ou uma telhazinha da construção do barraco ao lado, também não desaparecem por metamorfose.
Alguém limpou.

E você não sabe, ou finge que não mas este alguém ou este quase alguém tem uma vida, vontades, desejos, e passou um bom tempo ali, limpando a sua sujeira enquanto cantava a música da moda ou chorava sua amargura da sua invisível notoriedade.
Seja por amor a família, neurose para muitos, ou dinheiro, o ato de ser exterminador da sujeira de todos é um gesto inodoro, insípido, incolor e mais uma vez invisível.

E se acha que está amargo o papo aqui, uma vez que a sociedade pincela sua atenção a tão vangloriados pseudo-seres, vamos a um fato mais real. Um dia o transparente ser filho da mãe mal amada que o pariu fica feliz com meia dúzia de direitos "dados" pela sociedade sujismunda (palavra sem definição em vários dicionários ): que pecado mortal, onde já se viu ou ouviu que há "moleza" para está gente sem cultura, educação, berço que lava as roupas remelentas ?

Talvez não seja alguém tão repugnante outrora, talvez as mãos descascadas pela química sejam daquela pessoa que dedicou uma vida à família e rebelou-se pedindo uma separação não amistosa de sua função meretriz de lava roupa intima e ousou pedir uma indenização por serviços prestados .
Kkkk, linda baboseira, vai trabalhar, quer vida fácil?

Infelizmente são as frases ouvidas nos corredores de senhores e senhoras engravatados que jogam seu papel higiênico mirando o vazio, já que : um ser limpante recolherá!

Pois bem, ou por mal assim passa, sempre passou e até sermos dominados por extraterrestres roboticamente programados para exterminar a sujeira, seguirá passando.

E não sobra tempo porque não sobra vontade ou dignidade de tentar viver no mundo dos não sujos.
Porque falta amor a si mesmo.
E quem julgará este ser que não produz o que o mundo quer ver ?
Todos.

 

Daniele de Cássia Rotundo

 

 

 



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