21/11/2022
Mudando para o México, destino: Tapachula

Em julho de 2013 eu, meu marido e meus 2 filhos menores, Hector  e Helena ( com 8 e 5 anos na época)  mudamos do Brasil para os EUA. Victor, o filho mais velho, com 17 anos, continuou no Brasil com minha mãe.

Estávamos há 6 meses no país de plástico quando recebemos a notícia que iríamos para o México, um país da América do Norte, completamente desconhecido para nós. É o máximo que tinha escutado era um comentário a respeito do irmão do irmão de um desconhecido que morava por aquelas bandas! 

Destino: Tapachula ! 

Santa Internet! Conseguimos fazer uma mini pesquisa do que “seria” viver em Tapachula. A localização, pelos mapas da google, deixava um ar de mistério: fronteira com a Guatemala, cercado pelo Oceano Pacifico, conhecido como “La Perla del Soconusco”Um lugar paradisíaco, pelas águas geladas dos ventos de…ou o fim do mundo? 

Duas fotos: de um supermercado e a outra de uma igreja em formato de castelo das mil e uma noites, que depois descobrimos ser “Luz del Mundo”.

A verdade é que naquele momento pouco importava porque a mudança não era opcional, e o melhor seria exaltar as características boas do local e imaginar o quão glamouroso poderia ser viver perto do Caribe!

Custo de vida, aluguel, supermercados, carro, escolas, centros médicos, dentista. 

Buscamos por tudo que podíamos necessitar com filhos pequenos. Pelo menos o que eu achava essencial para chegar a qualquer lugar. E embora saltitantes com a novidade, estávamos ressabiados, cada um no seu íntimo porque não havia informação clara sobre o território daqueles lados com ? de habitantes.

O chefe do Denis na época era um brasileiro, amigo, conhecido de longa data e nos deixou mais confortáveis  e seguros quanto a transição EUA - México. 

Hoje posso contar com menos vergonha que fiquei preocupada quando encontrei fotos de crianças na escola da cidade. 

De meias ¾ brancas, saia de pregas, com tecido quadriculado e camisa social branca, as meninas tinham os cabelos presos impecavelmente com fitinhas da mesma cor do uniforme.

Os meninos traziam o corte de cabelo raspado nas laterais com gel na parte superior para dar o efeito “arrepiado” e vestiam calça preta, camisa branca, colete quadriculado (igual a saia das meninas) e gravata. Todos com sapato preto engraxado e lustrado (estilo festa anos 70).

“Como estas crianças brincam?”

Meu espírito aventureiro engasgou, subiu, desceu e só incorporou novamente depois que refleti que deveriam existir outras escolas na região. 

A preocupação não era o uniforme em si. Mas o que poderia representar. 

Guarda a informação.

Entre as primeiras negociações deste trabalho e a data da passagem, não tardou mais que um mês. 

Foi complicadissimo explicar para meus filhos que começavam a se acostumar com o novo ambiente (EUA), que estávamos mudando mais uma vez  (e num prazo tão curto). Vivíamos na Califórnia, no clima perfeito, num bairro excelente, perto da praia. 

 

O contexto.

Hector não tinha acabado o processo de alfabetização em portugues quando mudamos para California. No entanto, em menos de 2 meses estava bem acomodado na nova escola americana, acompanhando as aulas e empolgado com o silêncio na classe. 

Helena ainda no jardim da infância, vivia na escola um conto de fadas. Sua professora com cara da"Sininho" subia em cima da mesa para dançar com os alunos.

Quase esqueço! Era comum as crianças irem de pijama e fantasia para a aula.  

Tentamos encontrar algo de bom na perspectiva deles, atraí-los: “Vocês gostaram das pessoas no México,  são mais parecidas com os brasileiros, e falam espanhol que é uma língua mais simples para aprenderem!” 

Que mais poderíamos dizer?

Foram dias de ansiedade. O pouco tempo nos EUA não tinha sido suficiente para curar a ferida da separação de nossas famílias do Brasil. 

Soubemos a data da viagem uma semana antes ! 

Neste tempo diminuto levantamos documentos escolares, entregamos o carro, negociamos a entrega do apartamento ( que não tinha nem 6 meses de alugado), doamos a maioria das coisas para pessoas que pudessem ir buscar no apartamento e o resto minha cunhada e uma amiga se encarregaram de finalizar.

Naquele ano a vida dava um "olé" no assunto: desapego.

Não tinha dúvidas que aprendia a patadas o significado de desprendimento. Uma incursão profunda às raízes do despego. 

Seis meses antes minha mãe ajudava no “ bota fora”, ainda no Brasil, fazendo uma pilha das minhas perucas e apliques de cabelo, enquanto surtava em gargalhadas pelo número de cabeleiras postiças que eu tinha acumulado, e obviamente não poderia levar para os EUA..  

Agradeci bastante porque quando me vi abrindo a porta do armário para o “bota fora” rumo México, ficou mais complacente controlar-me ante a pilha de "doação" que na minha história, só aumentava.

Com poucos dias para escolher o que caberia nas malas, os brinquedos foram quase todos.

Nossa vida resumiu-se em 13 malas e 2 bicicletas, carregadas por 2 adultos.

Aquela bagagem toda na fila do check in, às crianças, os casacos, as 4 mochilas com roupa extra, comida extra, remédio extra, livros, joguinhos…

Não lembro como entrei no avião destino México.

Mas não esquecerei jamais como foi sair da geringonça com asas ao chegar em Tapachula.

 

O caminho.

De Los Angeles à Cidade do México. 

O Aeroporto Internacional de Los Angeles é um dos mais “badalados” e movimentados dos EUA. Me sentia no mundo das estrelas quando caminhava por aqueles corredores gigantes, com esteiras rolantes que economizavam meus passos pesados pelas tralhas que era comum carregar. Era inverno e as roupas de frio deixavam as pessoas elegantes.

Nesta atmosfera hollywoodiana foi que nos despedimos para nosso destino. A primeira parada foi na Cidade do México. Não há voos diretos para Tapachula. 

Então, perder o voo significaria um contratempo de mal gosto que não tínhamos o luxo de permitir acontecer.O aeroporto Internacional da Cidade do México é responsável por quase 1000 voos diários. E, embora seja um aeroporto grande, a diferença de cultura e civilidade ficou visível antes mesmo de chegarmos ao guichê da imigracao. A longa fila de empurra - empurra, o diminuto número de agentes imigratórios e o calor (naquele momento insuportável), não foi uma mensagem de boas vindas.

O local denominado de Imigracao no aeroporto mexicano não parece nada com o que conhecemos como Imigracao Brasileira e menos com a Americana. 

Aparentemente um ambiente informal, não fosse o detalhe que o mexicano faz questao de colocar o estrangeiro no lugar que ele acha ser o correto: longe dele. 

“Reciprocidade latina”?

Enquanto procurava o vidro blindado, o uniforme engomado com insígnias, computador high-tech, identificador digital e ótico, nos aproximamos de um senhor sentado num quadriculado com uma máquina registradora mecânica e caneta que após meias palavras, nos despachou.

Olhei perplexa para meu marido: “Onde é a Imigracao?”

“Acabamos de passar por ela!”, ele respondeu.

Para nossa “graça”  foi necessário retirar as bagagens, scanea-las (as 11 malas e as bicicletas) e despachá-las num “buraco sugador”.

Rodamos um tempo até encontrarmos a sala de embarque para Tapachula.

 

Cidade do México  - Tapachula.

1 hora de voo e, embora estivessemos na melhor aerolinea do país, o avião era pequeno, incômodo, meio velho, estava lotado e assim como nós, era brasileiro, um Embraer. 

Um futuro diretor do grupo das empresas estava neste voo também. Isto me deixou apreensiva porque já não sabia mais como conter o cansaço e mal humor das crianças, que começavam demonstrar publicamente este desagrado.

Quando finalmente a porta do avião abriu, as crianças já estavam devidamente agasalhadas (por uma mãe neurótica): casaco, gorro e echarpe.

O golpe de ar foi inolvidável: uma baforada da boca do inferno. 

A escada para descer do avião era estreita e cambaleava com os passos dos passageiros e o vento. Temi que o ar quente nos sufocasse. 

A surpresa seguiu quando os passageiros caminharam pela pista de aterrissagem. Nada de escadas mirabolantes, equipamentos de transporte de pedestres. A pé mesmo.

O Aeroporto Internacional da cidade de Tapachula, só tinha o nome de internacional.

Para nossa sorte, o senhor que foi nos recepcionar até o hotel, chegou com uma caminhonete. O diretor ajudou a carregar nossas malas e colocá- las em cima do carro.

Seria constrangedor, se não fosse engraçado, 4 homens suando como “machos” para levantar tudo aquilo. Quando terminaram, tinham as camisas molhadas, amassadas, cabelos desgrenhados. 

Nenhum de nós falava espanhol! 

O caminho para o Hotel passava por uma avenida de mão dupla com muitas árvores, que naquela hora da noite pareciam pedaços de mata virgem. Calor, mato…hum…

Minha primeira comunicacao com um mexicano: “Tem dengue aqui?”

“Aqui tem dengue, zika, muito bicho, muito mosquito. Tem que ter cuidado”.

Meu pensamento tornou-se compulsivo: pegar o repelente e o frasco de vitamina D.

O hotel para minha alegria estava arrumado, novo e as pessoas falavam inglês.

Metade da bagagem ficou guardada na recepção do hotel, inclusive as bicicletas. 

Na manhã seguinte Denis já estava trabalhando.  

A ideia era ficarmos no Hotel, até resolver sobre onde moraríamos, etc.

Ao lado do local em que estávamos havia um shopping e um supermercado Walmart. Fiquei emocionada quando vi a placa do supermercado (também tem nos EUA), porque ao menos algum shampoo e sabonete de marca conhecida (por mim), encontraria. Claro! Eu era uma mãe exagerada, com medo de tudo! 

O tal shopping não era bem o que chamamos de shopping. Mas era o único. Em menos de 30 minutos dava tempo de rodar o supermercado inteiro e o shopping, ida e volta, a passos de tartaruga de aquário.

Nosso primeiro almoço consistente foi num restaurante chamado Toks ( uma rede que tem no México todo com um cardápio mais “normal” ), perto do Hotel também. Eu e as crianças comemos e saímos para encontrar meu marido.

“Tem táxi por todo lugar!”

Abrimos a porta do restaurante e descobrimos onde  é que o sol derrete: em Tapachula! 

O ponto de táxi que parecia perto, triplicou a distância quando olhamos para ele.

Camelamos embaixo do astro rei nu e cru, zero sombra! 

Abri a porta do táxi, esperando um arzinho,  e nem ar, nem banco, nem chão.

O carro não tinha banco de passageiro ao lado do motorista.

Fiquei perplexa, mas entrei no carro contendo meus impulsos preconceituosos e californianos.

A janela não abria completamente, o lado interno da porta estava quebrado, sem forro, e o piso tinha buracos com vista para o asfalto.

Não consegui recusar o táxi, acho que nem tinha voz para falar.

Nos dias que seguiram conhecemos mais lugares, digo que conhecemos os piores lugares da cidade.

Fomos ao centro trocar dolar por peso mexicano. 

A sensação é que sairíamos dali sem dinheiro e pelados.  

Muito, muito precário mesmo, agravado pela nossa cara de estrangeiros assustados. 

O choque era absoluto. Cultura, características físicas, língua e assim por diante, não só por ser diferente mesmo, mas pelos extremos entre onde estavamos e para onde fomos.

 

Continuarei no próximo texto. Mas para saciar alguma curiosodade que possam ter: Tapachula é uma cidade do Estado mexicano Chiapas, que faz fronteira com o pais Guatemala.


 

Daniele de Cassia Rotundo



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