28/05/2023
Textinho de domingo

Até alguns anos atras, uma faixa relativamente gorda da sociedade conseguia separar o “dizimo” no porquinho de barro encima da geladeira, na caixinha de madeira herdada pela quarta geracao de algum lorde imaginario, embaixo do colchão, nas poupancas pandegas ou minguadas, em investimentos desde o ilegal jogo do bicho no bar da Tereza, la na esquina, até linhas telefonicas da TELESP! E fazer algo com este monto, montinho ou montão.

Quem não lembra como era glamouroso adquirir ações da companhia telefônica? Uma para cada um dos 10 filhos! Praticamente a garantia dos estudos universitários!

Se a família fosse um pouco mais abastada, cada rebento ganhava uma “caderneta de poupança" (aquela de papel que colocavam em plástico “tipo contact”), e quando completasse 15 anos, além da festa de arromba, com quinze damas e cavalheiros, recebia uma viagem a terra do Tio Sam, e  de brinde foto com o Mickey, na tão sonhada Disneylândia. 

Se fosse porreta de porreta, além destes 2 investimentos, a família mandava o “brotinho” “estudar fora”.

E o pobre? Este sempre foi pobre, herdado ou adquirido, sem quase ou nenhuma tasquinha de rapadura.

Escola? Pública para a maioria, que passava anos recitando ou escrevendo em cabeçalhos os estrambólicos nomes de figuras públicas.

Para os descendentes de endinheirados : colégio de freiras, monges, franciscanos, carmelitas, budistas e blablabla, tudo sempre de acordo com a Santa Igreja !

Como exceção à  regra, às vezes algum desafortunado conseguia uma vaga no sistema privado como bolsista.

Nesta época 2 profissões existiam verdadeiramente : doutor médico ou doutor “devogado”

 As “castas” sociais muito mais delimitadas economizavam de acordo com o tamanho do salário do chefe do lar, mas poupavam! 

E não é só isto. 

Mesmo com certa rigidez aparente, era possível o trânsito pela “pirâmide” social.

Existia nas empresas, o chamado plano de carreira. O indivíduo iniciava sua vida profissional numa “Usina em Cubatão" e se jubilava na mesma empresa num cargo melhor e aposentadoria relativamente digna. 

Ou seja, as “classes médias” eram moventes. 

Com exceção dos pobres que sempre foram pobres!

Os cidadãos aposentavam-se ao redor dos 60 anos e viviam mais um 5

Hoje, com 65 anos, somos jovens senhores!

No caso da aposentadoria atual, ela passou a ser um dinossauro da língua portuguesa. 

Aposentar? Verbo impossível de ser conjugado.

Se você teve chance de pagar uma "X miséria” de aposentadoria privada e a instituição não faliu levando todo pecúlio acumulado, então vai dar para uns dias de glória até o preço dos remédios subirem de novo. 

Mas se você pagou "pão com mortadela”, da aposentadoria “do governo”, não dá nem para contar moedas para o anti ácido genérico das farmácias populares.

Ou seja, a jubilação é direito de quem tem “estirpe” - pensa aí nas pensões de meia dúzia. 

E não está errado que assim seja : decente!

O direito e os benefícios deveriam ser condizentes a todos, bem como já diz nossa Constituição em uma de suas cláusulas pétreas, que de pétrea não tem nada.

 

O que aconteceu?

Para fazer o conto curto, caçaram as "nádegas" e direto do Lago de Ness, o monstro  das sucessivas crises financeiras, econômicas e políticas foram requintadas com recessão, inflação, corrupção, delação etc

Porém o apogeu mesmo foi a castração! 

Os brasileiros foram capados de um dia para o outro.

É neste episódio que nossa gente deste Brasil enterrou por morte matada, a dignidade.

Enquanto isto,  cadeiras de emprego para Órgãos Públicos chegavam da “loja de escritório" mais cara da cidade para os departamentos fantasmas.

Minha análise é pessoal,  de como eu percebi,  senti e vivenciei, no auge dos meus primeiros 20 anos esta transição do “quase nada” para “nada mesmo".

Não me refiro a um evento estopim, e sim ao natural processo de uma sociedade em processo de divorcio litigioso.

E bum!

A geração dos anos 70 (mais especificamente), ou seja, os filhos da geração dos anos de patins, enfrentam conflitos psico-emocionais pela  total inabilidade para estar na “coluna do meio”.

Muitos não têm condições de oferecer a seus filhos o que receberam de seus pais. 

Por que?

Porque a realidade é outra. 

O dinheiro é curto, o custo de vida modificou-se vertiginosamente mesmo no que se considera essencial. Exemplo: internet! Isto não fazia parte do caderno de contabilidade familiar.

E não ter renda que alcance viagens internacionais, férias em resorts, comidas em restaurantes virou uma doença para aqueles que cresceram num sistema de crenças inteiramente avesso e distorsionado da verdade de hoje ser hoje, e estar anos luz distante do ontem.

Somos menos pais porque não conquistamos patrimônio como nossos pais conseguiram?

Somos menos bem sucedidos que os pais que lograram um status para roupa de seda nas festas?

Somos fracassados porque não temos dinheiro vivo ou virtual para o frufru?

Dê uma espiada nas diferentes histórias de vida de pessoas bem próximas e entenderá o que as move para um ou outro caminho.

Fulano não sente nenhum constrangimento em festejar o aniversário de um ano do filho primogênito em casa,  com cachorro quente, brigadeiro, bolo formiga e guaraná, porque isto foi o natural, o ordinário na sua vida.

Outro se sente subjugado em convidar os filhos dos amigos para algo tão trivial. 

Por que? 

Porque provavelmente cresceu num ambiente onde o corriqueiro eram festas em salões com buffet e brinquedos. 

A conviccao íntima que norteia nossos objetivos, inafortunadamente ainda faz parte de um sistema de crenças engessado, que admite como verdadeiro o dever mínimo de sermos como nossos pais mas nunca menos.

O ato de consumir transmutou-se em um “alien com longos tentáculos"  e até viagem espacial converteu-se em aspiração de milionário e sonho de criança da favela.

As coisas são produzidas para se tornarem obsoletas rapidamente.

Inclusive tente romper a caducidade programada de um celular, por exemplo. Ele para de funcionar, tipo: acabou meu expediente!

Resultado : todo puto ano um novo celular está no mercado com uma câmera a mais.

Joga tudo no lixo mesmo!

Não basta aquecimento global, terremotos, furacões, o recente despertar de vulcões.

Precisamos derreter deitados em cima do vômito “do alien de longos tentáculos" .

Mas esta é outra história.

O ponto é que, ávidos por uma vida de plástico, “carecemos” de tudo o que não temos. 

Estamos asfixiados num canto da sala, esperando o apocalipse!

Precisamos, necessitamos, queremos. 

E se não temos, piramos.

Por que este rolo compressor não desacelera? 

Talvez porque ainda se acredite que “somos nossos logros materiais” , somos o tamanho do carro, a pedra do anel, a quantidade de botox, a marca de bolsa.

Permitimos o julgamento de uma sociedade enferma pela obsessão em “adquirir” .

Avalizamos “influencer “ !

 

Qual a razão deste texto?

As férias escolares estão batendo na porta e é absolutamente normal encontrar pais raspando o tacho já lambido, de suas contas bancárias a fim de proporcionar uns dias de "glória" aos bravos lutadores (os filhos).

Adultos frustrados, cabisbaixos, entristecidos pela falta de recursos financeiros resmungam sobre os “outros tempos”.

Se você se identificou, repense. 

Senhores pais, avós, tios, ofereçam as suas crianças o que o dinheiro não compra.

Deem um tempo para ensiná-los admirar o céu, as estrelas, a lua, a cor das flores, o odor do verde, o orvalho.

Sentem no chão da sala com as caixas de fotografias da época que foto não era selfie.

Perguntem se eles sabem quem recolhe o lixo, corta o pasto do jardim e conserta tudo em casa.

Reinventem estorias, sem princesas e principes.

E sobretudo doem o que as crianças mais precisam para aprender viver neste mundo: o amor.

Quiça a humanidade entenda um dia, o que a torna tão absolutamente vulnerável ao caos!

 

Bom domingo.

 

Daniele de Cassia Rotundo

 



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