09/05/2012
Serenata do adeus

Lá na roça a gente tinha o costume de caçar rã de vez em quando. O kit para esta caçada era: uma botina velha, um lampião de carbureto, duas lanternas, uma gaiola de arame para guardar a caça, uma fisga para espetar o batráquio e uma garrafa de cachaça – “encorajadeira” -  para entrarmos no brejo.
O ideal, sempre era as noites escuras,  sem luar, no início do verão. Lembro-me que foi num sábado minha última caçada desta nobre iguaria. Fomos em quatro, mas o Sebastião, por ser o mais velho, era nosso líder.
Ao retornarmos para casa  - Bastião – assim era como o chamávamos, nos convidou a fazer uma serenata para sua namorada. Segundo ele, era uma tentativa de reconciliação após uma briga corriqueira. Após saborearmos meia dúzia de rãs e mais uma garrafa da “marvada”, fomos para a colônia do sitio vizinho fazer a tal serenata para sua amada, sob os encantos de uma suave e refrescante garoa. Na roça, as pessoas têm o hábito de dormir cedo e mesmo sendo sábado - um pouco além das 22:00 horas - a família da homenageada já tinha se recolhido.
Bastião era um italianão forte, muito simpático porém um pouco rude, características que seu pretenso sogro também  as tinha de sobra.
Iniciamos a cantoria com uma música que estava nas paradas de sucesso daquela época: “Receba as flores que lhe dou, em cada flor um beijo meu, são flores  lindas que lhe dou, rosas vermelhas com amor, amor que por você nasceu”.
Sem sermos interrompidos e nem sequer aplaudidos, achávamos que estávamos agradando e emendamos outra canção: “Esta noite eu queria que o mundo acabasse, e para o inferno o Senhor me mandasse, para pagar todos pecados meus”. Beleza, pensamos. O coral  parecia afinado e tudo corria bem. Tínhamos certeza que Lurdinha estava ouvindo e gostando, aconchegada sob um lençol, e descansado seu jovem corpo, num surrado colchão recheado com palhas de milho, como era o costume daquela época, na roça.
Ato contínuo - engatamos a seguinte: “Abre a janela ó querida, venha ver o luar cor de prata, venha ouvir o som desse meu pinho, na canção de uma serenata, sei que dorme sonhando com outro, desprezando quem é seu amor, quem tu ama de ti nem se lembra, quem te quer você não dá valor”.
De repente ouvimos um barulho na tranca da janela de sua amada – é ela – pensamos, mas que nada! Quem apareceu para nos dar uma bronca foi o pai dela, que num sotaque italiano bastante carregado nos disse: Porca miséria, me deixa dormir, amanhã tenho que acordar cedo e a Lurdinha não tá, fugiu com o Amâncio seu primo! Fechando a janela bruscamente, na nossa “cara”, não tivemos tempo sequer para interpelações.
Suas palavras nos emudeceram, parecia um punhal dilacerando as víceras do pobre Bastião. O ato de fugir  lá na roça, era o mesmo que casar sem fazer festa. Valia-se desta artimanha, quando os recursos financeiros eram curtos ou quando um dos pais era contra a união do casal.
Coitado do Bastião! Nunca vi na minha vida um homem tão arrasado e totalmente sem controle, a primeira coisa que fez, foi quebrar o violão no moirão da cerca, foi uma agonizante madrugada - passou a noite em prantos e se maldizendo.
Tentamos consolá-lo, mas foi em vão. Este ano, completou quarenta e cinco anos de sua trágica morte. Não suportando a traição de sua amada, suicidou-se ingerindo um poderoso veneno, conhecido por formicida Tatu. Todos nós morremos um pouco naquele dia; a colônia inteira chorou sua partida e o velho paiol de milho, cúmplice desta tragédia, nunca mais saiu de minha mente.
Para você, meu estimado amigo, deixo estas sinceras palavras que tão bem retratam a sensibilidade de sua alma cabocla, sensibilidade esta, externada em suas cantorias de  matuto apaixonado: “Amo pessoas que acordam no meio da noite, só para escutar o barulho da chuva no telhado – elas sabem ouvir o canto de Deus”.
E VIVA A SERENATA DO ADEUS!  
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Osvaldo Piccinin

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