30/10/2019
Biblioteca

A magia das Bibliotecas

Um tanto frustrada por procrastinar meu prazer incomensurável diariamente, acordei decidida a buscar um espaço diferente para escrever algo publicável.

Entrei, na verdade esperei uma hora para adentrar porque nests dia específico mudaram o horário de abertura.

Procurei um espaço na modalidade esconderijo perfeito, espalhei meus apetrechos na mesa para 2 (duas) pessoas , já deixando tácita minha total falta de vontade em dividi-la com outro alguém além de meus “eus", que são muitos.

Ah tá! Todo mundo já fez algo assim, ou similar!

Coloquei meu copo de café como jóia preciosa no meu cafofo.

Fones de ouvido.

Música.

Não menos veloz que um milésimo de segundo um som de publicidade berra a nova tintura da ........em meio ao silêncio calefrio.

Meu fone de ouvido não estava funcionando e comecei tremer enquanto buscava o botão de desligar e já preparava um discurso de desculpas.

Mas meu corpo paralisou, neste mesmo segundo de acima, enquanto vejo uma senhora bem apessoada aproximar-se cada vez mais de mim.

Olhei seu crachá e percebi que começaria minha tarde com um bonito arranhão na minha reputação de mocinha de biblioteca .

Olhei para o café que estava ao lado de meu mini mini i pad e outra possibilidade de errôneo comportamento apitou em minha cabeça .

Não sabia se podia entrar com "bebida” então, como uma péssima brasileira que sou, resolvi esconder o copo embaixo de um casaco e entrei sem pestanejar com meus apetrechos e o copo de café . Pois bem, esqueci que alguém poderia ter visto o trajeto com a arma do crime e, ser justamente a Mafalda da biblioteca procurando os quebradores de regras e violadores da moral e cívica.

Já imaginando que seria convidada a me retirar e nenhuma palavra sequer escrita, olhei com meu poderoso modo “você esta prestes a atrapalhar minha inspiração “ , e assim, diminuir o poder a senhora deveria estar sentindo com aquele crachazinho pendurado numa fita azul marinho.

E neste tempo breve de “minha máxima culpa” quase vomitei o almoço de nervoso mas olhei para ela que me sorriu sem rodeios e ofereceu um panfleto, que a princípio acreditei ser de algum fervoroso devoto a tentar convencer-me de algo que nem queria imaginar o que seria.

Claro que mesmo eu tendo todo o cabelo preso num minúsculo rabo de cavalo, o vermelho alaranjado denunciava minha descendência de bruxas o que me fez total sentido na hora somado ao café escondido, já encontrado, o som alto. Bingo!

Ela leu meus pecaminosos pensamentos e viu o potencial de uma transloucada ser convertida em sei la o que.

Por fim meus longos dedos alcançaram a pontinha lateral do folheto como como quem pega fralda de bebe pela primeira vez e dei uma olhadela do tipo” Ok, já tenho seu papelzinho, vaza”.

Mas acho que fui traída por minha cara de interrogação sobre do que se tratava o papel e ela começou a falar rapidamente ate eu conseguir entender que estava oferecendo um emprego no senso de 2020, e blábláblá.

Ainda acrescentou que poderia fazer a aplicação on line .

Me ofereceu suas costas e caminhou em direção ao senhor sentado na mesa da frente.

Logo deduzi : estou no meio da tarde numa biblioteca publica, tomando café e curtindo um som, ela só podia imaginar que sou uma desempregada na melhor das hipóteses.

Passada a delonga em usar meu cérebro de maneira menos dramática para objetiva: estou numa biblioteca publica na cidade de Houston e nada mais original que escrever sobre isto, não é?

Eu já morava em Houston há quase um ano e nossas visitas à livraria Barnes and Nobles eram assíduas e cada vez mais custosas.

Sempre gostamos de ler e embora o preço dos livros seja acessível nos Estados Unidos, meus filhos comem papel com letrinhas e uma semana é tempo suficiente para uma ingestão completa de 500 páginas.

Isto gerou a imprescindível necessidade de alternativas econômicas.

E aqui faço um adendo: livros impressos são paixão desenfreada para mim.

Tocá-los, folheá-los, escrever notas, e, se possível, sublinhá-los são atos de orgasmo literário inconteste.

Quando cursava o colegial uma professora de filosofia fez uma observação ousada sobre "leitura”.

Segundo ela, precisamos trazer o livro para dentro de nossa vida, interagir, conversar com o conteúdo, com os personagens, ler, reler, reler e reler, virar e revirar as paginas, ir e regressar às anotações.

E capa amassada, folhas dobradas, observações que mais parecem hieróglifos, traços, retrações nos cantos, rodapés são a evidência de um leitor enfocado.

Nas palavras de Mario Quintana:"O leitor que mais admiro é aquele que não chegou até a presente linha. Neste momento já interrompeu a leitura e está continuando a viagem por conta própria".

Meus livros eram mais coloridos que serpentina de carnaval.

Com referencia a palavra “ousada” que citei acima, tenho à clara luz a imagem do rosto de meu marido quando abriu um livro meu e resmungou algo do tipo "que nojo”, e complementou que se eu escrevesse um pontinho em qualquer livro dele, ou que estivesse lendo, eu assinaria o divorcio calada sem direito a contestação.

Com o tempo entendi que "rabisca-los”, atrofiaria, induziria a leitura para minhas sensações da seguinte pessoa que o utilizasse.

Não deixa de se tratar de poluição visual alheia, certo?

Hoje uso bloquinhos para meus apontamentos e eles são sempre coloridos, com tintas variadas, rabiscos, setas. E continuo casada!

Acredito que emprestar, doar, reutilizar é uma grande contribuição à diminuição da ignorância, a fomentação da habilidade de transcender e criar novos mundos, percepções.

A palavra compilada em textos liberta o pensamento medíocre, conduz sonhos, quimeras e ideias ao mundo real, ou a lugar novo calcado seja na supraconciencia ou no empoderamento da consciência primaria.

Acredito que muitos já tiveram vontade de ler um livro e não possuíam condições financeiras.

E, assim, fica mais óbvio que um livro parado numa prateleira é um homicídio de historia não contada.

Vale lembrar que ate pouco tempo atrás não existiam livros para serem descarregados em computador, etc ( download )ou tablets para leitura (reader)

Denis (meu marido) sugeriu que fossemos à biblioteca pública.

Meu preconceito gritou alvoroçado e rechacei de imediato, lembrando das estantes desengonçadas equilibrando os livros mofados e capenguentos da biblioteca municipal da cidade onde vivi no Brasil.

Tinha ( e tenho) arrepios congelantes só de imaginar as maçanetas das portas infestadas de germes aglomerados em festa de folia daquele povo todo que passava horas xeretando os restos cadavéricos do que um dia foi um compilado de idéias, histórias, fantasias.

Disse "não e não".

“Deve existir algum modo de alugar livros bons, permuta, doação.

E além disto não acreditaria que lançamentos estariam expostos em biblioteca pública!”

Definitivamente não era uma opção .

Lembrei que em algumas ruas, na frente de casas ou parques era comum deparar-nos com pequenas casinhas de madeira lotadas de livros para uso coletivo.

Mas reconheço que tive vergonha de abri-las e apoderar-me de algum deles.

Encontrei uma edição mais poupada de alguns livros impressas em papel mais barato e de "capa mole”.

Como o peixe morre pela boca, caminhando pelas ruas ao redor de onde vivíamos na época, avistei uma construção convidativa com a nomenclatura de "Biblioteca Publica da Cidade de Houston", no topo da parede principal frontal.

Tentei disfarçar o decoro mas senti o peso da cisma e rudeza nas minhas costas gargalhando.

Não ousei olhar para o lado, temendo o reproche irônico que receberia de Denis, embora por rabo de olho tenha captado seus olhos brilhando de satisfação por meu equívoco.

Envolta a um avantajado tronco craquelado de um idoso pinheiro, um deck construído com tábuas cor de madeira velha, sustentava um banco oval de pedras compactadas sob finos filetes de metal rígido e a copa da árvore cobria parte da superfície plana horizontal da face supina externa do recinto, presenteando uma sombra aos convidados.

Uma composição demasiada atrativa aos transeuntes.

As paredes das salas de leitura de vidro, permitiam que avistássemos pessoas sentadas nas mesas alinhadamente distribuídas, como divãs do pensar.

Entramos?

Não custa nada conhecer!

Coloquei a mão no remate de metal para abrir a porta e ela deslizou-se com o toque.

Detectores de não sei o que, detiveram meus passos e pensei se poderia entrar com minha bolsa grande naquele lugar que parecia um museu de relíquias.

Não vi armários ou avisos de "deixe seus pertences”e como nenhuma sirene denunciou minha entrada, segui.

Perto da porta uma especie de caixa indicava que ali deveriam ser entregues os livros.

Fiquei intrigada: como os livros poderiam ser devolvidos sem verificação de seu estado, sem confirmação por escrito, devidamente assinado, reconhecido firma, com carimbo do local e a garantia de que um leitor não receberia uma intimação por ação por reparação de danos ou apropriação indevida?

A verdade é que tudo aquilo era civilizado demais para meu conceito de biblioteca pública.

Muito receosa não sabia nem como portar-me.

Será que podemos ver os livros sem assinarmos nada?

Perguntamos como funcionava a biblioteca para uma senhora sentada atrás de um balcão.

Com um sorriso de satisfação ela explicou que bastava fazermos um arquivo e podíamos levar qualquer material que escolhêssemos.

Com nossa identificação de residentes, ela gentilmente efetuou nosso cadastro e entregou uma carteirinha vermelha chamada "My link Card” que nos daria acesso aos serviços em qualquer biblioteca da cidade de Houston.

O "My link Card”é gratuito para residentes no estado do Texas e renovável a cada 3 anos.

O requerimento do pedido do “Link Card “ pode ser efetuado através do site ou por carta postal, no caso de pessoas com dificuldades de locomoção ou para qualquer residente do Texas.

Não residentes no estado do Texas podem obter o “Link Card” pelo valor de $40,00 (quarenta dólares) anuais.

Para que serve o Link Card?

Empréstimo de até 50 itens ao mesmo tempo pelo prazo de 3 semanas renováveis até mais 6 vezes, se não há espera pelo item.

Além de livros em inglês de varias categorias, há um considerável numero de livros em espanhol, filmes, revistas, jogos para computador, CDs musicais, DVDs, livros em áudio (audio book), livros on line para serem descarregados.

As Bibliotecas Publicas de Houston contam com 3 milhões de itens, e em 2018 serviu 8,2 milhões de pessoas.

O numero da senha pessoal já é suficiente para ingressar no sistema, não é essencial a apresentação física da carteira de identificação da biblioteca.

Confesso que fiquei reticente com a facilidade e pensei que como não somos americanos, o direito ao uso do acervo fosse proibido (típica mania de perseguição da síndrome de expatriado).

E assim, nos tornamos membros das bibliotecas públicas da cidade de Houston, Texas, USA.

Antes de seguir, duvida: biblioteca ou livraria?

Em português (Brasil) livraria e biblioteca são palavras utilizadas para 2 (duas) situações distintas.

Livraria faz alusão a estabelecimentos comerciais onde se vende livros e itens relacionados com leitura.

Já biblioteca são espaços públicos ou privados que guardam coleções de obras (livros de uma maneira geral) para serem consultados ou lidos como emprestados. Quando pública, o acesso é para qualquer indivíduo. Quando particular são mantidas por instituições de ensino privada, de pesquisas etc., fundações, grandes colecionadores podendo ser limitado o acesso.

Em inglês (USA) libraria (library) é entendida como uma instituição que mantem livros e outras formas de informações armazenadas para uso publico através de consultas ou empréstimos com ou sem pagamento .

E biblioteca (bibliotheca) é uma palavra obsoleta utilizada outrora como "library” (livraria).

Ou seja: biblioteca = library (=bibliotheca), livraria = bookstore.

Usarei o termo biblioteca e livraria como empregado em português.

Sem embargo, em inglês as nominações e significados são diferentes.

Existem inúmeros estudos sobre o conceito e diferenciação entre biblioteca e livraria (em português).

Retornando a Houston.

A cidade de Houston possui 44 bibliotecas publicas, inclui 31 nas redondezas dos bairros, 4 regionais, 3 de coleções especiais, 4 bibliotecas express.

Elas se conectam através de um sistema único, que possibilita o intercambio dos serviços e empréstimos.

O empréstimo pode ser feito em qualquer biblioteca da cidade de Houston, in loco ou on line.

Caso o material desejado não esteja disponível na biblioteca mais próxima, pode ser requisitado o envio de outra unidade para a indicada.

Os livros podem ser reservados quando indisponíveis e pronto cheguem à biblioteca, o usuário é comunicado por email ou mensagem telefônica.

Estes livros ficam em uma sala apartada, em estantes, organizadas por ordem alfabética, com o nome do solicitante.

Basta pega-lo na data programada e levá-lo.

As bibliotecas possuem serviço de “Express checkout".

Escolhido o livro, o usuário dirige-se a um computador e acessa o numero da carteirinha com sua senha pessoal, escaneia o livro e automaticamente será desmagnetizado.

Ninguém pede comprovante ao ver alguém saindo com um ou varias livros, não há funcionários fiscalizando.

As bibliotecas publicas possuem computadores para uso comum, e laptops disponíveis para uso em casa.

Em algumas bibliotecas há Ipads para as crianças com 2 ou mais anos de idade. Estes Ipads possuem aplicativos sobre matemática, alfabeto, formas, etc

E sim, há internet disponível em todos dispositivos, assim como é permitido o uso do Wi fi .

Há sala com serviços de impressão, copia, fax, estação de escaner, onde é possível escanear, salvar e dividir arquivos, e, ainda uma central de ajuda ao cidadão, como tirar passaporte.

Alguns locais têm espaço para utilização de TV, inclusive para jogos.

A cada tempo vendem livros em promoção por um custo de 10 centavos americanos até 1 dólar americano.

Também há livros para doação.

Varias revistas sobre a região podem ser adquiridas, assim como jornais, panfletos de descontos em exposições, catálogos de cursos, de empregos.

Adquiro um exemplar de tudo!

Uma área dedicada as crianças que alem do acervo de livros conta com mesas adaptadas para os pequenos.

Adultos, crianças e jovens não podem frequentar áreas diferentes das próprias. Ou seja, um adulto que não esteja com criança não pode entrar na área infantil, por exemplo.

Frequentemente oferecem cursos (computação, artesanato, etc), eventos familiares, de jovens, infantis, workshops , cinema na biblioteca.

No primeiro sábado de cada mês há um encontro de poetas, onde são lidos poemas dos participantes.

No site oficial há informações sobre como utilizar os serviços, assim como sobre eventos, cursos, blog.

Outro dia fui aprender origami com minha filha numa sala de biblioteca.

As mesas para estudo tem 2 cadeiras, tomadas (funcionando) e estão impecáveis sempre.

As instalações são adaptadas para pessoas com necessidades especiais também.

Um Centro de Acesso para pessoas com deficiência oferece materiais adaptados em formatos acessíveis para determinados padrões de necessidades.

Por exemplo, livro áudio digital (audiobooks), utilizam também um tipo de lupa que é colocado no circuito de televisão ampliando o texto num monitor, e outros.

Algumas unidades oferecem um serviço de ajuda para as famílias com o cuidado das crianças, após o horário escolar (after school).

Após a aula na escola, elas são levadas para estas bibliotecas e ai monitoras realizam atividades voltadas para aprendizado e descanso mental.

Outro interessante serviço social realizado pelas bibliotecas é a assistência aos imigrantes. Eles contam com pessoal para promover desde os próprios documentos assim como cursos acerca de direitos, sobre como tornar-se cidadão americano, etc.

Algumas bibliotecas possuem obras de arte em salões e, ainda podem ser alugados para eventos como casamentos e reuniões.

Estes prédios são verdadeiras relíquias históricas.

As regras das Bibliotecas Publicas podem ser encontradas em varias línguas, como árabe, chinês, espanhol, vietnamita.

Ah sim! Sigo utilizando a biblioteca, para ler, folhear, e escrever.

A título de curiosidade : a maior biblioteca do mundo esta no Congresso dos Estados Unidos, em Washington, DC. São 155 milhões de itens, livros, manuscritos, jornais, revistas, mapas, vídeos e gravações de áudio em 470 línguas.

Sem duvida é a biblioteca oficial de pesquisa do Congresso norte americano.

Criada em 1800, quando a sede do Governo Federal foi transferida de Filadélfia para Washington.

O prédio chamado “Thomas Jefferson” foi aberto ao publico em 1897.

E se vierem aos Estados Unidos conheçam uma biblioteca publica.

Não é um passeio usual mas garanto que muitos questionamentos rodearam seus pensamentos e o restante da viagem será sob uma ótima mais critica.

Sei que o papel das bibliotecas ganhou propósitos diferentes com o advento da tecnologia mas isto é tema para outro texto.

Daniele de Cássia Rotundo

 

 

 

 

 

 



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