A maior novidade da ASCO 2025 em câncer de mama
Dr. Rafael Kaliks
Notificação
16 de junho de 2025
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A novidade na abordagem do câncer de mama é que deixamos de somente buscar novos medicamentos e passamos a acompanhar a chamada evolução clonal da doença em tempo real, para decidir o tratamento com base em novos biomarcadores, antes que ocorram alterações clínicas ou radiológicas.
A parte dedicada ao câncer de mama do congresso da American Society of Clinical Oncology (ASCO 2025) não foi marcada por um fármaco revolucionário ou por um novo alvo terapêutico disruptivo.
A verdadeira inovação foi uma potencial mudança de paradigma: a decisão sobre uma mudança de tratamento que deixa de levar em conta apenas a progressão clínica e radiológica da doença e passa a considerar o aparecimento de marcador molecular (detectado no sangue) preditor de progressão da doença.
O estudo SERENA-6 , um dos destaques da ASCO 2025, exemplifica essa transição. Tradicionalmente, em pacientes com câncer de mama metastático com expressão de receptores hormonais e sem a hiperexpressão da proteína HER2 (RH+/HER2−), a troca da hormonioterapia ocorre apenas quando há progressão clínica ou radiológica da doença, ou seja, quando surgem novas metástases ou há crescimento de uma metástase antiga. O SERENA-6, no entanto, propôs uma abordagem ousada: antecipar a troca do inibidor de aromatase para o camizestranto — um novo degradador seletivo do receptor de estrogênio oral — com base na detecção de mutação no gene ESR1, indicativa de resistência à hormonioterapia. Esta mutação pode ser detectada via DNA tumoral circulante (ctDNA) antes de qualquer evidência clínica ou radiológica de progressão.
Os resultados foram claros: as pacientes que trocaram precocemente de tratamento, com base na detecção da mutação de ESR1 no ctDNA, tiveram um controle mais duradouro da doença do que aquelas que trocaram de tratamento quando houve progressão clínica da doença.
Essa mudança em direção a decisões baseadas em biomarcadores séricos avaliados seriadamente ficou evidente também em outros painéis e estudos do congresso. O uso crescente de biomarcadores dinâmicos e monitoramento longitudinal com biópsia líquida começa a transformar a prática clínica. A pergunta muda de “qual tratamento é o próximo da lista?” para “que preditor de sensibilidade a que fármaco temos neste momento?”. A lógica tradicional de tratamento em linhas fixas — primeira, segunda, terceira linha — começa a dar lugar a modelos adaptativos, baseados na biologia da doença em constante evolução.
O uso de camizestranto, por si só, é uma hormonioterapia com potencial, como várias outras parecidas, mas o que o SERENA-6 nos ensina vai além do medicamento: é uma experiência de intervenção precoce guiada por biologia tumoral em tempo real. O mesmo fármaco pode ser significativamente mais eficaz se usado no tempo certo — e esse “tempo certo” não é mais definido por uma imagem ou um exame físico, mas por alterações moleculares invisíveis aos métodos tradicionais.
A inovação, portanto, está na lógica por trás do tratamento. Está na incorporação do ctDNA como ferramenta de monitoramento ativo, na mudança de um paradigma da oncologia em direção a um acompanhamento mais proativo e personalizado.
A ASCO 2025 nos ensinou que o futuro do tratamento do câncer não depende apenas da descoberta de novos medicamentos, mas da capacidade de usarmos melhor os recursos que já temos, aplicando-os de forma estratégica, orientada por dados e individualizada. A mudança não está no arsenal, mas na maneira como o utilizamos.