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23/06/2025
ALIMENTOS ULTRA PROCESSADOS E SUA REPUTAÇÃO

Os alimentos ultraprocessados merecem a reputação que têm?

Marc Fröhling

18 de junho de 2025

 Os alimentos ultraprocessados são os elementos básicos das dietas contemporâneas; no entanto, seus efeitos sobre a saúde continuam sendo tópico de debate. No 131º Congresso da Sociedade Alemã de Clínica Médica, especialistas discutiram o tema sob uma perspectiva detalhada. A discussão foi conduzida pelo Dr. Martin Smollich, Ph.D., chefe do Grupo de Trabalho de Farmaconutrição do Instituto de Medicina Nutricional do Hospital Universitário Schleswig-Holstein, e pela Dra. Anja Bosy-Westphal, Ph.D., médica e professora de nutrição humana da Universidade de Christian-Albrechts, ambos na Alemanha.

Perspectiva do especialista

Abrindo sua apresentação, o Dr. Martin esclareceu: “Não vou recomendar que vocês e seus pacientes consumam o máximo possível de alimentos ultraprocessados, mas defendo a diferenciação deles. Tanto na imprensa profissional quanto na leiga, os alimentos ultraprocessados são frequentemente associados a maior mortalidade e a outras doenças. Isso levou à hipótese de que são prejudiciais à saúde devido ao seu nível de processamento, independentemente de seus perfis nutricionais”.

Segundo ele, essa é uma nova forma de olhar para o assunto: “Tradicionalmente, a ciência nutricional avalia como os alimentos funcionam com base em seu conteúdo, e não no seu nível de processamento”.

Classificação NOVA

Recentemente, a classificação NOVA, uma avaliação em quatro níveis introduzida pelo Dr. Carlos A. Monteiro, Ph.D. em epidemiologia e professor de nutrição e saúde pública na Universidade de São Paulo, ganhou reconhecimento global pela categorização de alimentos com base em seu grau de processamento.

NOVA 1: alimentos não processados/minimamente processados, como alimentos crus, ovos, carne, leite, nozes, café e chá;

NOVA 2: ingredientes processados, como farinha, açúcar, mel, sal, manteiga e óleos vegetais;

NOVA 3: alimentos processados, como pão, queijo e vegetais enlatados;

NOVA 4: alimentos ultraprocessados, que são industrialmente processados, são “práticos” e contêm aditivos.

O Dr. Martin afirmou que a definição por trás da classificação NOVA é subjetiva. De acordo com a classificação, os alimentos ultraprocessados são caracterizados pelo processamento industrial, pela praticidade na preparação e pela presença de aditivos. “Contudo, não é razoável afirmar que todos os alimentos classificados como NOVA 4 são intrinsecamente ruins”, disse ele.

Além dos produtos esperados, como salgadinhos, barras de chocolate, batatas fritas e refrigerante, também o chucrute orgânico, as sementes de vagem enlatadas e o pão integral são categorizados como NOVA 4. “Por que o pão integral é classificado como alimento ultraprocessado? Porque contém sal iodado, e isso conta como um aditivo. Ele não é natural, por isso é considerado como NOVA 4”, explicou o Dr. Martin.

“Considere o chucrute com o aditivo E300, que é o ácido ascórbico atuando como um antioxidante. Ele, porém, funciona como um aditivo e, portanto, [o chucrute] é classificado como NOVA 4”, citou outro exemplo.

Assim, embora o conceito possa parecer intuitivamente convincente, ele não se aplica a todos os alimentos.

Mitos comuns

1. Alimentos ultraprocessados são muito saborosos: os alimentos são frequentemente percebidos como saborosos quando contêm grandes quantidades de gordura e sódio, no caso dos salgadinhos; gordura e açúcar, no caso da Nutella; ou açúcar e sódio, em outros produtos.

Essas combinações são típicas de alimentos ultraprocessados e, portanto, estes são considerados “muito saborosos”. No entanto, o Dr. Martin argumentou que esses aspectos não estão relacionados ao processamento, e sim aos ingredientes do produto.

“Também temos alimentos não classificados como NOVA 4 que exibem essas proporções de nutrientes muito saborosos, como queijo e nozes torradas e salgadas. Os alimentos ultraprocessados apresentam textura distinta e muitos são projetados para agradar o paladar, como é o caso da Nutella e das batatas chips.

No entanto, essa textura distinta também se aplica a alimentos das classes 1 a 3 da classificação NOVA, como sucos de frutas, xaropes e mel. Não podemos dizer que isso é exclusivo dos alimentos ultraprocessados, pois há diferenças marcantes entre eles, como é o caso do tofu e de um refrigerante”, comparou ele.

2. Alimentos ultraprocessados têm densidade energética muito alta: o Dr. Martin afirmou que densidade energética muito alta não é uma característica inerente aos alimentos ultraprocessados. Exemplos de alimentos NOVA 4 que não têm alta densidade energética são tofu, ensopados vegetais, feijões e vagens prontos para o consumo. Por outro lado, alimentos com alta densidade energética também são classificados como NOVA 1 ou 2, como manteiga, nozes, óleos, mel, aveia e frutas secas.

3. Alimentos ultraprocessados contêm muitos aditivos: de acordo com o Dr. Martin, as avaliações gerais negativas de 320 aditivos aprovados foram realizadas sem a sustentação por evidências adequadas. Os aditivos variam amplamente em suas propriedades químicas e fisiológicas, e esse conceito falha ao não considerar a dependência da dose. Também é enganoso afirmar que corantes não são benéficos; como exemplo, pode-se citar as diferenças entre antocianinas de frutas silvestres e corantes azoicos alergênicos. Ele acrescentou que muitos aditivos, como o ácido ascórbico, a clorofila e o ácido cítrico, são naturais. “É importante diferenciá-los dentro do grupo de alimentos ultraprocessados”, ressaltou.

Carga de doenças

“Diversos estudos de correlação mostraram que o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados está associado a uma maior carga de doenças. No entanto, vários estudos grandes de coorte diferenciaram os grupos de alimentos. Consequentemente, não há associação generalizada entre o consumo de alimentos ultraprocessados e doenças não transmissíveis”, declarou o Dr. Martin.

Por exemplo, o estudo de coorte holandês Lifelines demonstrou que o maior consumo de alimentos ultraprocessados foi correlacionado com o aumento da mortalidade geral. No entanto, análises adicionais esclareceram que, quando feita a diferenciação por grupo de alimento, a associação permaneceu apenas para refrigerantes e produtos com carne ultraprocessada. Para todos os outros produtos considerados como ultraprocessados, os resultados foram neutros ou, como foi o caso de ultraprocessados integrais ou cereais, associados a menores taxas de mortalidade.

Os resultados da coorte do UK Biobank, do Reino Unido, sugeriram uma conclusão semelhante: “O que percebemos como efeito do alimento ultraprocessado é provavelmente um efeito do refrigerante, que é estatisticamente dominante e ofusca outros fatores”.

Debate sobre proibição

“A princípio, [a proibição] pode parecer plausível, mas eu não concordaria”, enfatizou o Dr. Martin.

As diretrizes alimentares atuais da Sociedade Alemã de Nutrição e as Recomendações Nórdicas de Nutrição não recomendam uma proibição geral do consumo de alimentos ultraprocessados. A adesão consistente a elas levaria a sérias desvantagens, como a ingestão nutricional de ultraprocessados no mundo ocidental por volta de 50% a 91%. Em vez da proibição, deveríamos nos perguntar: “De onde vem essa ingestão?”, afirmou ele.

Além disso, uma proibição geral de alimentos ultraprocessados sinalizaria aos pacientes que não ultraprocessados são inerentemente saudáveis. No entanto, alimentos como açúcar, mel, sal, suco de fruta, xarope e nozes torradas e salgadas não são necessariamente saudáveis por não serem ultraprocessados. Uma proibição geral também ignoraria conflitos de interesse e levaria a avaliações negativas de itens como sal iodado e bebidas de origem vegetal. Todos os grupos alimentares, como produtos relacionados à nutrição infantil e alimentos sem glúten ou lactose, seriam afetados pela proibição de alimentos ultraprocessados.

Aspectos ecológicos, como a eficiência dos recursos, também devem ser considerados, uma vez que uma proibição geral poderia levar ao aumento do desperdício de alimentos. Outra preocupação é a realidade socioeconômica; por exemplo, “se optarmos apenas por alimentos saudáveis, sem ultraprocessados, especialmente em um mundo onde 70% da população global residirá em cidades até 2050, surge a questão: quem deve fazer essa mudança? Do meu ponto de vista, é impraticável esperar que as pessoas vivam sem consumir alimentos ultraprocessados”, alertou o professor.

Por um lado, existem ultraprocessados com perfis nutricionais ruins, como refrigerantes, carnes ultraprocessadas, doces e batatas chips. Por outro, alimentos com bons perfis nutricionais são fórmulas lácteas infantis, alimentos sem glúten, bebidas à base de vegetais, pão integral, tofu, legumes, iogurte, refeições congeladas de alta qualidade e chucrute.

Prós e contras

A avaliação do impacto dos alimentos sobre a saúde com base apenas nos níveis de processamento não tem respaldo nas evidências científicas. Para os alimentos ultraprocessados, a diferenciação é essencial. Existe uma associação significativa entre o consumo desses alimentos e a morbidade, particularmente no caso de refrigerantes e carne altamente processada.

O Dr. Samuel J. Dicken, Ph.D., e seus colaboradores revelaram que os alimentos ultraprocessados têm perfis nutricionais piores do que produtos minimamente processados ou processados, além de conterem mais açúcar e maior densidade energética. “Mesmo que não seja característico de todos os produtos ultraprocessados, podemos afirmar que, em média, eles têm esse aspecto”, argumentou a Dra. Anja.

Um total de 17 estudos de coorte prospectivos encontrou uma relação entre a ingestão de alimentos ultraprocessados e a obesidade. De forma significativa, 93% dessas relações permaneceram inalteradas após o ajuste para nutrientes, padrões alimentares e outros grupos da classificação NOVA.

“Isso não pode depender apenas do perfil nutricional”, disse ela.

Velocidade de consumo

Um estudo randomizado com desenho cruzado, conduzido por uma equipe liderada pelo Dr. Kevin D. Hall, médico do National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases, nos EUA, randomizou dois grupos de participantes para uma dieta com ultraprocessados ou para uma dieta com “alimentos minimamente processados”, por 14 dias. As dietas apresentavam perfis calóricos, teores de açúcar, de gordura, de fibras e de macronutrientes equivalentes.

Os resultados revelaram que o grupo de ultraprocessados consumiu aproximadamente 500 kcal a mais por dia. Assim, o efeito foi independente do perfil nutricional. “Em última análise, tudo se deveu à velocidade da alimentação, que é um parâmetro importante. Tudo o que se pode comer rapidamente não é bom para a nossa saciedade.”

Um estudo japonês com o mesmo desenho indicou que participantes no grupo dos ultraprocessados apresentaram maior ingestão calórica e ganho ponderal, apesar de uma menor frequência de mastigação.

Além das alterações na densidade energética, a textura dos alimentos também mudou.

A “matriz de alimentos macios” permite uma absorção calórica mais rápida. Um estudo com foco na textura dos alimentos demonstrou que alimentos com “textura macia” levaram os participantes a comer mais; a princípio, isso ocorreu independentemente de os alimentos macios serem também classificados como ultraprocessados.

Qualidade nutricional

Em outro estudo, mais de 8.600 alimentos processados e ultraprocessados foram comparados em termos de sua qualidade nutricional. Os alimentos na categoria de ultraprocessados geralmente continham menos proteína, menos fibras e mais açúcar. Além disso, continham menos micronutrientes, como cálcio, zinco e vitaminas B1 e B2.

“Com alimentos ultraprocessados, frequentemente lidamos com carboidratos de baixa qualidade. Existe uma relação inversa de dose-dependência entre o consumo de ultraprocessados e a ingestão de fibras na dieta. Na verdade, as fibras são normalmente encontradas apenas em alimentos que não se enquadram nessa categoria”, resumiu a Dra. Anja.

Efeito de hiperpalatabilidade

“Na verdade, a pessoa não está com fome, mas continua comendo.” Esse fenômeno refere-se à hiperpalatabilidade. Quando alguém está seguindo uma dieta mediterrânea, dificilmente consumirá verduras em excesso. É preciso mastigá-las por muito tempo, não é possível ingerir calorias rapidamente. Mas isso pode ser alcançado com o uso de alimentos ultraprocessados.

O Dr. Samuel e seus colaboradores analisaram vários alimentos quanto à palatabilidade e revelaram que 47% dos alimentos examinados foram classificados como altamente palatáveis com base em seu teor de gordura, sal, açúcar e carboidratos, sendo 80% deles ultraprocessados.

“É claro que isso não é exclusivo e existem exceções. Não apoio uma classificação simplista baseada na NOVA, mas as evidências mostram como o processamento de alimentos contribui para o consumo excessivo”, explicou a Dra. Anja.

Uma dieta à base de vegetais com alto conteúdo de ultraprocessados é prejudicial?

“Pode-se presumir que, como os alimentos são de origem vegetal, o ultraprocessamento não é um problema”, disse ela.

No entanto, um número crescente de estudos demonstrou que o consumo dos chamados “alimentos vegetais não saudáveis” aumenta o risco de doenças cardiovasculares, tanto em comparação com o consumo de alimentos vegetais frescos quanto de produtos animais processados.

Debate sobre a substituição

“Substitutos da carne: demonizar ou não demonizar?, eis a questão.”

Esta dúvida também foi abordada durante a sessão plenária do congresso, após as apresentações. O Dr. Martin comentou: “Eu definitivamente não demonizaria. Creio que seja necessário considerar produtos de forma individual. Quando os pacientes me perguntam se um alimento é bom ou ruim, eu sempre respondo: ‘Em comparação com o quê?’.

A substituição rotineira de um hambúrguer de carne por um de origem vegetal é diferente da escolha entre um hambúrguer de origem vegetal e uma salada fresca. Do ponto de vista nutricional, eu recomendaria, se possível, alimentos minimamente processados e muitos vegetais frescos. Porém, se você estiver comparando dois alimentos sem qualidade, muitas vezes eu classificaria a opção de origem vegetal como a mais favorável”.

A Dra. Anja acrescentou: “Se quisermos mudar para dietas de origem majoritariamente vegetal como parte da transformação dos nossos sistemas alimentares, as alternativas podem ser importantes. Por que precisa ser salsicha? As opções de origem vegetal também podem funcionar muito bem. Ambas, no entanto, se enquadram na categoria de alimentos ultraprocessados”.

Conclusão

Alta densidade energética, sabor intenso e textura macia não são características exclusivas dos alimentos ultraprocessados. “Também podemos produzir alimentos em casa que preenchem esses critérios. No entanto, hoje, a indústria de alimentos cozinha para nós: consumimos uma alta proporção de alimentos industrialmente processados, e metade de nossas necessidades energéticas são cobertas por ultraprocessados”, afirmou a Dra. Anja. Estes alimentos são, por um lado, baratos, não perecíveis e requerem pouco esforço para serem consumidos. Por outro lado, têm alta densidade energética e contêm adoçantes e aromatizantes, ao passo que, simultaneamente, fornecem menos nutrientes, fibras e ácidos graxos ômega 3. “Devemos continuar trabalhando nesses problemas”, concluiu.

Este artigo foi traduzido do Coliquio

 


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