02/03/2009
O dia em que o Padre Amaro Morreu

O Padre havia sido por longos e longos anos, a Lei e a palavra final para muitos dos habitantes de uma cidadezinha.
O Pároco, uma espécie de Padim Ciço local, foi prefeito várias vezes, elegeu os políticos que quis, todos de sua bem querença, usou e abusou do púlpito para fazer política.

Entretanto chegou o dia em que o velho padre despediu-se desta vida e passou para uma melhor, isso era o que ele supunha.

Logo na chegada sofreu uma desilusão e tanto, colocaram-no numa imensa fila onde misturavam-se "finados" de todos os tipos e situações vividas por aqui. Acostumado que estava a ser obedecido na hora, foi logo protestando:

Deve haver algum engano, eu sou um sacerdote, portanto tenho entrada garantida no céu, aliás, deve existir uma porta dos fundos para o pessoal da Casa.


O funcionário de São Pedro atencioso e solícito tentou explicar que daquele lado prevalecia a verdadeira Lei e não tinha quebra de galho, todos são iguais disse, e a máxima bíblica de que os últimos seriam os primeiros, lá funcionava.


Mas o velho Padim inconformado e quase colérico por tão ousado exemplo de justiça, não se deu por vencido e sabedor como ninguém das artimanhas políticas, logo começou a mexer os pauzinhos.


Ocupando o segundo lugar na fila estava um bispo seu conhecido, aguardando pacientemente sua vez de prestar contas. O padre ladino como ele só aproximou-se do bispo e num misto de recordações e chantagem emocional, lembrou as muitas vezes que o ajudara com grandes somas em dinheiro, para manutenção da diocese.


O bispo já quase desfeito em lágrimas acabou cedendo o seu lugar ao padre e foi lá para o centésimo e tanto lugar na fila.


O pessoal de São Pedro fez de conta, como era de hábito nesses casos, que não houve nada e o padre acabou furando a fila, conseguindo a tão almejada audiência imediata com o chefe São Pedro, também era sua pretensão ficar por ali como assistente da Santidade, e quem sabe um dia acabar substituindo-o, afinal o chefe Pedro já estava no cargo a quase dois mil anos.


Entrou, e frente a frente com o velho de barbas brancas logo começou sua defesa, sem ao menos esperar a acusação, se é que havia uma, pois o princípio do livre arbítrio corria solto eternidade afora.


São Pedro veja que absurdo, tive que subornar sentimentalmente um velho bispo meu amigo para exercer meus legítimos direitos, afinal sou da Casa, mas agora que estou aqui e cumpri minha tarefa na velha Terra, pois fui político de sucesso, enchi as burras da Igreja de dinheiro, mantive aquela gente simples e ignorante nas rédeas da santa madre igreja, e agora sou tratado assim, como qualquer um?

São Pedro bondosamente disse:

Padre, realmente o senhor foi tudo isso e muito mais nós o sabemos, acontece que por aqui as leis do Criador são às únicas que funcionam, e segundo elas o senhor fez tudo menos exercer a função que lhe foi designada, o de humilde pastor de Cristo, o que deveria ser seu rebanho, foi um séqüito de ávidos pela ganância, e poder, o dom da palavra colocado em sua boca por única e benevolente decisão do Alto, foi transformado em arma para conquistar vantagens passageiras, que nesta orbe de nada adiantam. Aos pequeninos e aos amigos você traiu, tudo pelo poder e o que é muito pior não cumpriu a missão que lhe cabia, simples e singela. Agora deve rogar para conseguir outra prova junto à humanidade, se alcançar essa graça não a jogue fora como fez nessa experiência, lute para aprender o que não conseguiu ensinar, agora vá irmão e junte-se as milhões de almas que esperam pela mesma oportunidade de redenção, a misericórdia divina nunca falta a ninguém.


O velho padre que esperava tudo menos esse tipo de justiça saiu triste e cabisbaixo, remoendo suas idéias e conceitos, o cérebro em alvoroço não conseguia entender mais nada.


O tempo, esse aliado incondicional do homem, passou, quanto não se sabe, é difícil medir a eternidade.


O velho padre liberto das agruras e renascido para o verdadeiro ideal, já nem parecia o mesmo quando foi chamado novamente por São Pedro, e desta vez quem entrou não foi um ser arrogante carregado de densa névoa cinza, mas um ser que irradiava luz azulada, fruto do arrependimento. Assim que entrou o Santo disse:


Padre não se ajoelhe, vejo que outro homem existe agora e chegou novamente a sua vez, prepare-se, pois você vai voltar, uma nova chance lhe foi dada, os que lhe foram caros já o esperam, estão prontos para ajudá-lo novamente, não os decepcione.

O terceiro milênio havia começado há duzentos anos...


Edson Navarro

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