14/05/2025
Poesia na calçada 

Poesia na calçada 

Outro dia, enquanto passeava com minha cachorra num bairro de casas históricas e cheio de senhoras árvores de meio século, na cidade de Houston,  descobri poesia na calçada !

“Que charme misterioso por baixo dos pavimentos. Estruturas revestidas de pedra aconchegadas por rugosos e grossos órgãos vegetais!

As calçadas desmazeladas, que formam degraus dissemelhantes de pesadas placas de concreto e criam este retrato de aparente complexa dissimetria…deveriam ser partes intocáveis da  história destas casas .

(A menos que a opção fosse destruir as calçadas para libertar seus prisioneiros e prisioneiras da categoria verde natureza)”.

E o que pensariam os não poéticos ?

Pois é, este é um texto que se originou do encanto pelo oposto da estética padrão.

Agachei-me para fotografar o desnivelamento da passarela, e do chão numa postura desnuda da soberba humana, notei o óbvio: aqueles seres enrijecidos, fincados e afincados em seus propósitos, fazem do sobreviver, a vida em arte!

Assim que acabei de imprimir este momento no meu “para sempre”,  respirei profundamente aquela beleza desalinhada e continuei  a caminhada com meus pensamentos .

“Como é possível que delimitadas a um espaço ínfimo,  sem pernas que as mova, amarradas a uma terra também avariada pelo lixo da civilização, elas encontram um caminho, invariavelmente!?

Simplesmente arrancam forças de sua estrutura, rompem o soalho na medida  do estritamente  necessário para “respirarem” e acomodam-se com justeza e leveza, num tempo imperceptível aos nossos relógios.

Continuamente florescem, exalam o perfume de suas flores, colorem com tinta do céu a passarela da vida, são sombras, casas para a fauna e colírio para nossos olhos.

E todo este movimento sem fala na sociedade, sem discursos, sem devaneios aturdidos, sem desculpas e justificativas infundadas no árduo trabalho de sobreviver em meio ao caos.

Estas raízes que extraem da terra a seiva da vida, rasgam a superfície num movimento anti gravidade, na contramão de sua natureza, expõe suas entranhas sem temer o julgamento, o preconceito, o desdém ao oposto do que “deve ser”, e dançam com seus algozes até encontrarem um território onde possam continuar a crescer, em congraçamento  evidente ao que lhes seria adverso ao viver.

Imaginem que as árvores sucateadas pelos vorazes contornos do que se chama progresso urbano, expõe suas intimidades guardadas e quase secretas, sensibilizam a  superfície frágil de suas células, sangram seus veios e repousam fora de sua proteção, adequando-se em “carne” viva!

Persistem à vida !

E com tantos contras, seus troncos seguem crescendo, vivendo e sendo.

Podemos ter a ilusão de colocar fronteiras nesta senhora mãe Terra, tapando com massa cinzenta de um lado, cortando o excesso de verde mato (incompatível com o projeto de jardinaria da comunidade) ou mesmo pisoteando-a. Mas a verdade é que a natureza é imparável! 

Não se enganem: não é eterna senhores !

Estes seres vivos com cabeleira verde e corpo marrom, são sujeitos passivo e oculto, objetos indireto do verbo destruir, são alvos primários de incorporações de diferentes tipos.

E quando chega o “tempo da colheita” dos erros do homem, elas sofrem a pressão da amargura das temperaturas, em forma de tempestades, furacões, incêndios etc 

E continuam flexíveis.

E nem pensar que elas estejam desatualizadas do que acontece por aí! Recebem um tanto de informações incatalogáveis  de todos os cantos. 

São sussurros de amantes apaixonados, histórias de alegria e tristeza, fofocas da vizinhança, tudo contado embaixo de suas sombras! 

Sabem sobre o canto dos pássaros, da comida de seus inquilinos, da origem da vida  e da morte matada.

São testemunhas e vítimas  dos distúrbios do “super’ e do excesso que vem regendo a escola da vida.

E como fiéis amigas, não espalham um pingo sequer das idiossincrasias humanas.

Só dispersam o que sai de seus corpos: folhas, sementes, pólen…

Quem são elas: as árvores e suas raízes? 

Grandes mestras !

Inspiração e exemplo de como viver e sobreviver.

Guias para nós, humanos.

Elas são experientes conhecedoras da arte de adaptar-se !

Uma arte genuína e despretensiosa que busca o simples viver.

As possibilidades no contexto atual da humanidade  são inúmeras para tudo que pensamos, queremos ou devemos optar. Tantas que podem beirar ao numeral infinito neste  lugar  tão diverso e heterogêneo.

Então, nossas pernas (da mesma maneira que as  raízes), tornam-se infinitamente menores que nossos corpos.

Como “ser” nesta selva de pedregulho pragmática ?

Adapte-se ! Faça o que a “poesia das árvores nas calçadas” ensina !

 Ainda que para isto seja inevitável despir-se desta “proteção” pesada e custosa .

 

E adaptar-se  é ser flexível para sair do óbvio, para não perecer ante a avassaladora inconstância de valores, para não ser petrificado frente a Medusa da modernidade.

Adaptar-se é mover-se ainda que milimetricamente, com exatidão e até timidez, assim como a raiz que não cabe na forma!

É ampliar seu horizonte, encontrando um espaço confortável entre você e vocês , entre você e o mundo, um lugar em que o equilíbrio possibilita conviver !

É procurar com minúcia uma maneira de estar e ser na melhor concórdia  possível com o todo.

Adaptar-se é não se atrofiar, não se encerrar, não se restringir, não se limitar, em uma caixinha desenhada por sabe-se quem (?!)

Ouse adaptar-se !

Basta ser flexível como uma árvore !

Daniele de Cassia Rotundo


 



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