11/09/2023
Fim de tarde apocaliptico ou não ?

Parei de escutar a voz das minhas duas amigas quando uma delas indicou os dias da semana que será permitido regar as plantas, que visivelmente já se encontram em seus últimos suspiros de vida pelo excessivo calor deste verão.

O fim de tarde exibia uma paisagem de sonhos. 

Ou nao?

Grandes árvores, rodeadas por uma extensa grama amarela, semi morta, pareciam carregar os raios de sol, num esforço incansável em nos manter mais vivos que elas próprias.

Dentro das casas acondicionadas em temperatura agradável, seria impossível supor quanto marcava o termômetro sob suas folhas esgarçadas,  com seus veios estriados e desidratados.

Sem embargo o galho carregando o balanço, as mesas de sacada propositalmente posicionadas em direção ao entardecer e as palavras não ditas pelo medo de se tornarem incondicionalmente realidade, faziam do ambiente abafado um lugar convidativo para profundas reflexões.

Mas aquelas palavras me arremessaram longe demais para seguir no meu mundo semi perfeito.

E eu caí na armadilha. 

Num emaranhado de sensações, meus pensamentos transgrediram todo meu esforço em rechaçar o tão premeditado fim absoluto da vida, e alcançaram uma parte de meu peito que agonizava com a possibilidade da sede inaudível dos seres “menos privilegiados”, mais vulneráveis deste lugar chamado Terra.

Nada mais acontecia além do murmúrio de um murmúrio. Não para mim, não naquele momento. 

O céu dourado, em verdade, seria transformado em cenário apocalíptico?

Estamos cozinhando na caldeira do inferno expurgando nossos pecados?

O solo miserável se embebeda com a decomposição de nossas vidas?

Pronto a mesa estara decorada de partículas venenosas?

As histórias fantasmagóricas seriam as nossas?

Tentei respirar profundamente buscando equilibrar o estado anímico que sentia. 

“Dizem que as plantas emitem um som enquanto sentem sede ou são feridas.”

Naquele momento, eu uma reles humana poderia jurar “auscultar” o grito de silêncio escorregando pelos  cespedes quase vivos.

Quão injusto pode ser isto? 

Que elas que não falam, não protestam, não travam guerras, não fazem bombas, não matam seus semelhantes, não roubam, não são gente ... sejam as primeiras da fila na marcha em direção a seca inesgotável ?

Nós, os humanos, somos mais  merecedores de água para beber, água para banhar,  água para diluir nosso lixo corpóreo ? 

Não duvido que morreríamos mais rápido sem água. 

Isto porque há tempos “andamos correndo”, matando nosso instinto, nossa capacidade de raciocinar, nosso tão diferenciado gene ostensivamente arrogante. 

Assim começa o fim?

Fim de tarde apocalíptico. Era isto que estava previsto nos noticiários dos últimos meses!

O parpadeo entristecido de uma de minhas amigas, (comemorando mais de 7 décadas de existência) me trouxe de volta desta antagônica confusão mental. Tristemente não tardei um milésimo de segundo sóbria. 

“Cem árvores da região foram extirpadas, torturadas e cruelmente arrancadas no último mês”.

Empalideceu minha alma.

Ouvi pássaros ávidos sussurrando e minha própria voz fez barulho em minha cabeça:

“Daniele , você nunca permitiu que os mensageiros mercenários de um apocalipse conveniente direcionado ao buraco negro, derrubassem as arvores carregadas de infinito contentamento de suas crencas. Em que cena você quer estar?”

As duas continuaram visitando os vasos que rodeavam o quintal enquanto eu olhava incrédula para o além.

Com a marca estampada do tempo em seus rostos, histórias incontáveis, vivências inimagináveis, elas seguiriam plantando.

Olhei o raminho que elas encontraram caído de uma jovem planta e me deram para replantar.

É incrível como elas não desistem!

Como ainda que ressequidas são capazes de fazer brotar uma e outra vez mais a continuidade da vida?

Incompreensível como não renunciam a tudo em meio a esta batalha de titãs a que são submetidas repetidamente.

Nem as plantas, nem as amigas.

Talvez possa ser acusada de otimismo tóxico, alienada sobre as mazelas da existência, sonhadora divorciada deste mundo implacavelmente cruel.

Mas escolhi o não! 

O não ao “Fim de tarde apocalíptico”.

Não posso muito diante do poder de destruição do homem.

Não sou nada frente às máquinas trituradoras de madeira.

Não faço vento para derrubar um grão de pó nos olhos de poderosas companhias poluidoras.

E  talvez não consiga superar crises de ansiedade sem que morra uma parte de mim, diante presságios como este.

Mas não vou, não quero e não aceito entregar aos pessimistas crônicos, aos cavalheiros da aniquilação o gosto de recrutarem de minha vida - a decepção, a desistência ou a falência de minhas crenças.

O que posso fazer?

Por hora estou escrevendo aqui para pedir que não se entregue, não desista, não duvide que para cada fim de tarde apocalíptico que você rechaçar, um ser apocalíptico deixa de existir.

Dê  vida a quem você ama e a quem você não ama também.

Dê mudas de plantas, sementes, flores monocromáticas ou coloridas.

Entregue esperanca.

Boa semana.

Daniele de Cassia Rotundo

 

 



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