Velório dos encontros
--Pronto, já fui dar uma mijada, mas, o que estávamos falando mesmo?
--Você estava falando dos velórios de antigamente.
--Orra meu! Que bom você ainda não está xarope como muitos já estão. Então, antigamente os velórios aqui em Caieiras eram todos nas casas dos falecidos. Às vezes ofereciam café com bolachas, às vezes não ofereciam nada. Era um respeito danado. Ninguém contava piadas. O enterro se era lá do Bairro da Fábrica ele vinha a pé até a maquininha de passageiros e por onde passava todos saiam na janela para olhar. Quando chegava ao ponto final da maquininha lá perto da estação dos trens de subúrbio, o enterro prosseguia a pé até aqui neste cemitério. Quando era do Bairro do Monjolinho ele vinha no caminhão pau de arara. Quando era daqui das redondezas não tinha outro jeito a não ser a pé. Vou te falar uma coisa, antigamente os enterros eram mais emocionantes e te digo mais... Sabe que às vezes sinto saudades daqueles enterros?
--(Risos) Nunca ouvi um disparate desses.
--Agora como você está podendo notar temos este velório bem aconchegante. É bonito, espaçoso e o atendimento é bom aqui. Você pode ir até a cozinha e tomar um café ou um chá e também comer umas bolachinhas. Digo-te mais, este velório é o melhor ponto turístico daqui. É só aqui que os conhecidos, os amigos e os parentes se encontram. Só aqui se abraçam, só aqui conversam, e tudo num “clima” alegre, pois, muitos até contam piadas, muitas eu já ouvi. Opa! Chegou uma conhecida que estimo muito. É a Roxana... Xi... Eu esqueci o sobrenome dela. Não faz mal... Você me dá licença? Vou puxar uma prosa com ela.
“Tomara que ela tenha vindo sem o marido, aquele chato”.
--Olá, mas que surpresa! Quanto tempo que eu não vejo a Xana. Como vai você?
--Nossa que milagre! Não imaginei te encontrar aqui. Estou bem e você?
--Meio capengando, mas está tudo bem. Você bonitona ainda, hein?
--Escuta, do que morreu o nosso amigo ai?
--Fiquei sabendo que complicou tudo. Já tinha tido um infarto, um AVC, tinha diabete, problema na próstata, reumatismo, cirrose, depressão, hipertensão e tudo isso não lhe importava, o pior, disse ele, foi ter ficado impotente.
--A vai tomar banho, até parece que tinha tudo isso. Enfim são coisas da vida.
--Bom, como dizem os mais entendidos, os só a falar o que sabem por comprovação, chegou a hora dele. Tem hora pra nascer (quando não for por cesariana), tem horas e horas pra se viver e tem hora pra morrer. Ouvi também que ele já está a caminho do céu. Agora do céu enviam para os mortos um GPS para que não se percam nessa última viagem.
--(Risos) Nossa como você tem senso de humor tragicômico. Mas, pensando bem, quantas coisas que inventam e acabam acreditando, não?
--(Risos) Viu, mudando de assunto vou te revelar um segredo. Eu fui gamado em você Xana. Durante muito tempo só pensei em você. Sempre antes de adormecer eu ficava imaginando “ai que bom se a Xana estivesse aqui comigo na cama. Eu acariciaria seus cabelos, beijaria seus lábios úmidos e lhe diria que sem ela jamais seria feliz”.
--Sério mesmo? Então posso te falar, já que me falou isso. Eu me simpatizava com você, mas, nunca dei a perceber porque tinha receio de ser desprezada.
--Que pena a tua falta de sensibilidade pra perceber. Se soubesses quantas vezes passei defronte a sua casa. Naquela época eu pertencia a uma sociedade esotérica e tinha aprendido a usar o poder mental. Enquanto eu fitava sua casa, com veemência eu repetia no pensamento “quero a Xana pra mim, a Xana tem que ser minha”, mas, que nada, não deu certo. Um dia até tive a ousadia de te chamar: Xanaaaaaaaaaaaa... E você não respondeu, não veio me atender. Fiquei com raiva e baixinho te xinguei: Xana surda, Xana convencida, Xana metida, Xana orgulhosa. Ai fui embora falando sozinho, desisto da Xana, Xana pra mim acabou, nunca mais vou perder tempo com a Xana.
--Mas você era louco? Se não te atendi é porque não estava em casa. Bem que teria gostado de te atender e... Ah meu marido chegou. Dá licença que agora eu vou lá perto do... Vou cumprimentar os...
--Isso, você ainda não foi lá, né? Olha, foi uma alegria ter-te encontrado. Tchau.
“Que pena, a conversa estava tão boa”
--Hei você se amarrou num papo gostoso com essa tua amiga Roxana hein?
--Ah sim, ela é uma amiga de longa data. Não venha você com insinuações ai. Nunca tive e nunca quis ter nada com ela. A amizade sempre foi sincera. Vamos lá tomar um cafezinho que agora um cigarrinho vai bem.
--O que? Você ainda fuma? Será que não sabe o mal que isso faz?
--Xiiiiii... Lá vem você me encher o saco. Que mania de se intrometer. Até parece que você não vai morrer porque deixou de fumar. Tomara que morra antes que eu morra (risos). Eta cafezinho gostoso.
Altino Olympio