Tardes de outono são mais curtas e parecem melancólicas. Às vezes, parece que ficamos num abismo que separa o presente do passado. Que vontade de cair nele!
É só fechar os olhos e num rodopio cair até se chegar a um tempo que passou e revivê-lo. Pronto, cheguei. Deixei a melancolia do presente e agora estou na nostalgia do passado. “Se vissem aonde vim parar...” Estou no meio e no lugar mais alto da ponte de concreto que é em forma de arco. Debruçado, meus cotovelos estão apoiados no parapeito da ponte. Abaixo, o Rio Juquery está passando silencioso e suas águas estão despencando lá na comporta, --ou paredão como é conhecida— que, está à esquerda ao alcance de minha visão. À minha direita, acompanhando a margem do rio, estão várias árvores chamadas de chorões. Pouco altas, seus galhos são finos e inclinam-se até o nível das águas do rio, cuja correnteza movimenta-lhes os galhos, banhando-lhes suas pequenas folhas. Distante uns setenta metros, por sobre o rio distingo o prédio comprido que serve de abrigo para duas máquinas de fabricar papel, a de número cinco e a de número seis. O ininterrupto ruído que ouço vem de lá, produzido pelos motores das máquinas. Aos domingos e feriados, na falta dos ruídos, o silêncio daqui se traduz como solidão, naquele “alguma coisa faz falta e eu não sei o que é”.
Olhando mais à esquerda e por sobre a comporta (represa) na continuação do prédio já citado ele é emendado com o prédio velho das antigas máquinas um e dois de papel. Daqui não dá para ver onde termina, mas, sabe-se que termina próximo à antiga ponte de madeira do rio de baixo, considerado assim depois de sua queda pela comporta. Aqui onde estou no meio e no lugar mais alto desta ponte de concreto, nós, os rapazes, à noite, ao voltarmos do clube tínhamos o costume de urinar no rio. As moças incapazes para isso, pareciam sentir inveja de nós. Agora estou descendo por esta metade do percurso da ponte e ele termina no início de um suave aclive, que, seguindo poucos passos até ficar por baixo de um teto rústico também de concreto, no piso que ele é por cima existem os trilhos do trenzinho de vagões de cargas e eles seguem até a carpintaria daqui. Aqui onde termina o suave aclive ladeado pelas paredes que suportam o já referido teto, imediatamente à direita está o início da escada a céu aberto. Como vivemos sob a lei dos opostos, o belo e o feio, o bom e o ruim coexistem. Aqui, lembro bem, o odor de urina era insuportável. Nunca se soube, mas, tudo indicava que eram as moças deste local feliz que urinavam aqui, pois, elas não conseguiam urinar de cima da ponte. Bem, já subi a escada e estou num nível plano. Por trás tenho uma alta cerca de tela de arame e depois dela os trilhos do trenzinho de carga e mais à direita a carpintaria. À minha frente depois de outros dois pares de trilhos está a plataforma que é mais conhecida como “Estaçãozinha da Maquininha”, ela sendo para embarque de passageiros e, no mesmo nível à esquerda estão as dependências da Portaria dois da indústria de papel.
Agora, aqui de volta à ponte de concreto. Ela era passagem “obrigatória” para pedestres que se deslocavam do Bairro da Fábrica para o clube de esportes ou para o Bairro de Caieiras. Conheci todos que passaram por ela, como também, conheci muitas de suas histórias. É hora de revivê-los e... Já estão surgindo em ambos os extremos da ponte e cruzando-se ao passarem por mim. Alguns que estou “vendo” nem imaginava lembrar-me deles, entretanto, estão passando sem me notarem. Se como eu fossem desocupados e fizessem uma “viagem” ao passado igual a esta que fiz, talvez, também me veriam como eu os vi, e seríamos mais jovens, não é mesmo? Entretanto, é hora de retornar à realidade do presente... Pronto, retornei! Outono, melancolia de domingo continuando depois de ter passado pela ponte do passado ao presente.