Hoje me lembrei do Armazém da Fábrica onde, até 1.965, fui assídua frequentadora . Ia sempre acompanhada da minha madrinha, dos meus pais e outras vezes, somente com a criançada, na saída da escola, no final da tarde.
O Armazém realmente era interessante e bastante peculiar, com as vassouras caipiras, rodos de madeira, enxadas, baldes sempre expostos à porta e à vista de quem passasse pela rua. Logo na entrada ficavam os balcões enormes de madeira escura, com algumas vitrines de pães, doces, gavetas com peças de armarinho e os gavetões de grãos e cereais que eram vendidos à granel. Sobre este balcão havia a tradicional balança na cor vermelha, um fatiador de mortadela e o irresistível baleiro giratório. Por traz do balcão, prateleiras e estantes acomodavam outras mercadorias como bebidas, produtos de limpeza, enlatados, bolachas ,linguiças .Já o bacalhau, tão comum em nossas mesas, ficava acomodado em caixas de madeira para livre escolha.
Algumas compras, quando não eram pagas na hora, eram marcadas, numa caderneta e liquidadas no dia em que a Melhoramentos também pagava seus funcionários.
Comprava-se muito no Armazém e muitos sonhos de consumo da época, foram ali atendidos .Nos dias comuns se comprava arroz, feijão, café, açúcar mascavo, óleo em latas de 5 litros, banha de porco, manteiga e queijo duro para ralar. As mulheres compravam ainda, os sabonetes Gessy, o Talco Ross, a Cera Cardeal para os tijolos vermelhos das casas, o sabão em pedra Vencedor e as pedrinhas de anil para a lavagem das roupas. Para as crianças, comprava-se a Aveia Quaker em lata, acompanhada sempre de uma chavinha que, ao ser torcida, enrolava a tampa de alumínio, expondo o delicioso cereal. E para não se fugir à regra, comprava-se também a malvada cachaça Tatuzinho, a cerveja Malzbier e os cigarros industrializados como o Macedônia, sem filtro, com embalagem cor de laranja, que meu pai se deliciava ao tragar na área da nossa casa. Para alguns, ainda fiéis ao cigarro de palha, havia o fumo de corda, sempre em rolos, num canto próximo à porta, exalando seu cheiro ardido , forte e tão característico.
Comprava-se marrom glace , goiabada da Cica e logicamente, o pão de cada dia, sempre em “bengala”, cuja ponta (o bico) sempre foi devorada ao longo do caminho de volta para casa. E como só, em dias especiais e aos domingos, era permitido tomar refrigerantes, naquele estabelecimento também se comprava a famosa Tubaína e a Crush em sua escultural garrafa de vidro.
Para as crianças das vilas, o lugar era de pura diversão, alvo de desejos ingênuos regados unicamente com o melado das diferentes guloseimas.
Para mim foi muito mais, pois sempre me encantei com o visual diferente, abarrotado de coisas, liberando cheiros e aromas dos mais variados e imagináveis.
Dezenas de vezes, na saída da escola, passei ali e nunca resisti ao doce de abóbora em formato de coração, meu predileto até hoje. Da mesma forma, as balas sonksen, em charmosas latinhas e os deliciosos dadinhos da Diziolli que derretiam na boca, aguçaram demais meu paladar. A vitrine expunha aqueles doces todos de forma tão convidativa que, precisávamos nos agachar para escolher. Entre marias-moles, cocadas e gomas coloridas, sempre foi difícil decidir. O tentador baleiro de vidro, sobre o balcão, guardando outras maravilhas açucaradas como as balas toffie, balas de café, paçoquinhas, pirulitos, pés de moleque, complicava a escolha.
Um dia, porém, ao chegar no armazém, meus olhos brilharam além da conta por algo bem diferente: um emaranhado de tamancos de madeira, amarrados uns aos outros, pendurados no batente da porta.
Devo ter insistido bastante, pois ganhei um par, na cor vinho. Tão lindo, tão pesado, tão desejado que, no primeiro uso me jogou ao chão. Um pequeno barbante, não observado, unia os dois pés. A ponta do dedão quase arrancada, foi o preço do sonho realizado.
Mas teve suas compensações. Uma delas, reconheço, foi conseguir, ainda hoje, relembrar com emoção momentos tão bonitos, vividos num local simples, sem luxo, sem pompas, sem produtos de grife, mas com um encanto próprio e indescritível.
A segunda, sem sombras de dúvida, foi poder resgatar e escrever sobre todas estas passagens que marcaram a minha vida e a de todos que um dia, fizeram parte daquelas Vilas da Melhoramentos e do seu inesquecível Armazém.
FATIMA CHIATI
Comentários:
O Armazém e seus personagens inesquecíveis, Sr. Genésio, Nestor Lisa, etc. Nestor era especialista em fazer a molecada, voltar para casa e perguntar para a mãe, se era seis ou meia duzia que ela queria, 500 gramas ou meio quilo, de quebra tomavam bronca das maẽs com a explicação que era a mesma coisa, não adiantava, o Nestor convencia de novo. Nessa brincadeira todos eram cúmplices, numa ocasião minha Avó foi reclamar com o Sr. Genésio, ele apenas sorriu e disse que o Nestor era muito brincalhão, quem pagou o pato foi meu Avô Vitório que ficou ouvindo a Dona Lucinda por dias, exigindo que ele fosse falar com o Sr. Genésio, querido Nestor Lisa, acho que foi a primeira lição contra a ingenuidade que recebi na vida. Edson Navarro.
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Acabei de ler, ufa mas que viagem através dos tempos, com a descrição até
parece que estou entrando no estabelecimento, para comprar minhas
alpargatas, doces, pão, gramas de mortadela pra comer com esse delicioso
pão, tinha até pinicos a venda, tudo que se possa imaginar a gente
encontrava sem falar no bom atendimento dos funcionários, me lembro do Pedro
Ulmann (Pierim que tocava na banda do maestro Sérgio Valbusa), do Quiche,
Nestor, Genésio, Lasinho filho da dona Nicácia entre outros, mas que
saudades as guloseimas de hoje não tem o mesmo sabor daquela época que a
gente comprava com tanta dificuldades. Lembro-me das bolachas confiança que
vinham em lata e a gente comprava em gramas ou kilos.
Que bom que eu passei por essa época e posso comparar com o hoje.
Parabéns mais uma vez Fátima que linda descrição.
Abç chico (Francisco de Freitas)
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Fátima,Muito bom.Você escreve muito bem.
E as recordações são maravilhosas e fiéis aos fatos da época.
Sérgio Siqueira.
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